Nos primeiros nove meses de 2024, a Enel São Paulo registrou um lucro de R$ 819,7 milhões, enquanto apagões frequentes deixaram mais de dois milhões de casas de paulistanos no escuro. Esse aumento de lucro foi realizado à custa de sucessivos cortes de pessoal e redução de investimentos em manutenção e prevenção, medidas que têm impacto direto na queda da qualidade do serviço prestado pela prestação.
Somente no terceiro trimestre deste ano, a Enel São Paulo registrou lucro líquido de R$ 330,2 milhões , alta de 58,6% ante igual etapa do ano passado, um avanço impulsionado tanto melhora do resultado operacional medido pelo Ebitda, quanto pelo maior resultado financeiro no período. No acumulado em nove meses, os ganhos somam R$ 819,7 milhões.
O lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda) chegou a R$ 1,04 bilhão entre julho e setembro, com alta de 13,3% na comparação anual. A margem Ebitda avançou 0,1 ponto porcentual (p.p.), para 19,3%. Em nove meses, o Ebtida totalizou R$ 3,24 bilhões, queda de 3,7% frente o mesmo período de 2023, com margem Ebitda de 21,7%, em baixa de 1,9 p.p..
Desde que assumiu o controle da antiga Eletropaulo em 2018, a Enel implementou uma série de demissões, cortando cerca de 36% do quadro de funcionários, reduzindo equipes essenciais para o atendimento em emergências e aumentando a sobrecarga sobre os eletricistas restantes. Com essa estratégia de economia, os apagões se tornaram recorrentes, e a duração das interrupções de energia aumentou para uma média de 6,73 horas, um aumento de 7,4% em relação ao ano anterior.
Esse modelo de gestão orientado pelo lucro impacta não apenas a disponibilidade de serviços, mas também a agilidade de atendimento nas situações de emergência. Segundo Esteliano Neto, presidente da Federação dos Urbanitários do Sudeste, o corte no número de eletricistas compromete o tempo de resposta da empresa em emergências.
Na tempestades de outubro, mais de 3 milhões de clientes da Enel foram deixados sem energia, e os relatos de atrasos prolongados para religamentos refletem diretamente a carência de equipes especializadas.
O impacto não se restringe aos apagões. A negligência em medidas preventivas, como as podas de árvores nas áreas de distribuição, agrava ainda mais o problema. Segundo Ikaro Chaves, ex-engenheiro da Eletrobrás, a falta de manutenção e o foco no corte de despesas deixaram uma rede vulnerável, principalmente durante eventos climáticos. A incapacidade de resposta rápida não se dá por acaso, mas pela escolha deliberada da Enel em priorizar ganhos financeiros em detrimento da qualidade de atendimento e segurança da população.
Para a população paulista, que sofre com apagões frequentes, a insatisfação é evidente. Pesquisa do Datafolha mostrou que 71% dos paulistanos defendem o cancelamento do contrato da Enel, enquanto responsabilizam tanto a concessão quanto o governo pela má gestão da infraestrutura elétrica. A situação revela o paradoxo das privatizações realizadas com o objetivo de melhorar a eficiência do serviço público, mas que acaba por precarizá-lo quando o lucro se torna a prioridade.
Os custos humanos e sociais dessa política de contenção de gastos são altos. Além dos prejuízos financeiros para os consumidores, que enfrentam perdas com alimentos estragados e aparelhos eletrônicos danificados, há o risco à saúde pública: 34% dos moradores relataram problemas com energia elétrica que duraram mais de 24 horas, impactando o uso de equipamentos médicos específicos. A economia doméstica e os negócios locais também são afetados, agravando uma crise que vai além dos números impressionantes nos balanços financeiros da Enel.
A falta de uma fiscalização mais rigorosa e a inércia das autoridades em exigir um serviço de qualidade são fatores que perpetuam essa realidade. Enquanto a Enel continua a reduzir seus custos para ampliar os seus lucros, as consequências são pagas pela população, que lida diariamente com o preço da negligência em um serviço essencial.