Protestos dos frequentadores e uma reunião com comerciantes, na tarde de terça-feira (2), fizeram com que o prefeito Eduardo Paes suspendesse o edital de privatização do Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, também conhecido como Feira de São Cristóvão, na Zona Norte do Rio de Janeiro.
A reunião com representantes dos comerciantes aconteceu na sede da prefeitura do Rio, após o protesto. A ideia agora é que os termos do edital possam ser debatidos com os feirantes antes de serem divulgados.
Segundo os feirantes, eles foram pegos de surpresa pelo edital lançado pela Prefeitura, não foram informados sobre a concessão e temem a descaracterização do local, ficar sem trabalho durante as obras e ter que pagar aluguel.
De acordo com o edital suspenso, a empresa escolhida deveria investir no mínimo R$ 3,6 milhões. Valor irrisório para o tamanho e potencial do local. O edital ainda permitia a participação de empresas estrangeiras e uma série de obras nos primeiros 30 meses.
A concessionária também daria direito para o operador explorar a bilheteria, o estacionamento e os aluguéis dos espaços. Diferentemente de outros equipamentos culturais, o novo operador não poderia captar receitas pelo mecanismo conhecido como “naming rights” — quando o espaço ganha o nome do patrocinador.
Entre os pontos, estavam a construção de um segundo pavimento onde seriam instalados novos boxes e uma espécie de área VIP para assistir aos shows, com 128 camarotes. A empresa vencedora também poderia gerir por 35 anos o tradicional polo nordestino.
5 MIL FAMÍLIAS PREJUDICADAS
Na manhã da terça-feira (2), um grupo com mais de 100 pessoas, entre comerciantes e funcionários, saíram da Feira e caminhou até a sede da prefeitura, na Cidade Novo. Entre as reivindicações estava a revitalização do local, ao invés da privatização.
“Perder minha permissão e virar ‘inquilina’ de uma empresa. Eu e muitas famílias. Somos 5 mil feirantes que dão emprego, estamos muito tristes e preocupados”, contou a cabeleireira Zeneide Gomes Farias.
“Aqui dentro [na feira] eu tenho 23 anos. Eu vivo da música, se tirar a música de mim acabou minha vida”, desabafou Genival Ferreira da Silva, cantor e acordeonista.
Luiz Carlos Santos, presidente da comissão de feirantes, teme pela descaracterização do espaço cultural após a entrada de uma gestão privada. “Querem vender a nossa feira e tirar a característica nordestina. Com mais de 78 anos de tradição, isso é um desastre para mais de 5 mil famílias que tiram seu sustento daqui. Hoje, nós não sabemos para onde vamos”, afirma.
Maria da Guia, representante dos feirantes, afirma que a privatização irá afetar a cultura e a origem do povo nordestino. “Nesse momento estão querendo colocar nossa cultura no lixo e nós não vamos deixar. A Feira de São Cristóvão não está para negócio. A gente construiu esta feira e agora estão querendo nos expulsar. Lutem pela nossa origem”, completa Maria, indignada.
FALTOU DIÁLOGO, AFIRMA PAES
Após o protesto, Paes se reuniu, por volta das 15h, com seis feirantes, além do subprefeito do Centro do Rio, Alberto Szafran, e o presidente da RioTur, Ronnie Costa.
“Eu queria pedir desculpas, pois o diálogo de antes foi muito ruim, o pessoal que eu botei para dialogar [com os comerciantes] não fez as conversas e alertas necessários. Diante disso, foi importante vocês virem aqui hoje. Vamos suspender a história da concessão”, disse em reunião com os representantes.
Paes garantiu ainda que tomará as decisões sobre o futuro da Feira em comum acordo com os comerciantes. Ao fim do encontro, ele designou o subprefeito do Centro e o presidente da RioTur como porta-vozes das tomadas de decisões daqui para frente. “Eles vão conversar com comerciantes, feirantes e vamos chegar em um melhor modelo. É um absurdo deixar vocês nessa insegurança, o diálogo deverá ser feito”, afirmou.
A decisão foi comemorada pelos representantes da comissão da Feira. Um dos advogados da Feira, Luiz Mário Fernandes, destacou que o encontro com o prefeito teve um saldo positivo e que agora eles também terão voz. “O prefeito se comprometeu em imediatamente suspender o processo de licitação que está em curso e instituiu uma comissão para vir à feira dialogar, ouvir o feirante, debater qual o melhor modelo que o feirante pretende e tudo o que a gente precisa para melhorar o espaço. Ele [Paes] também se comprometeu com o feirante em buscar uma solução de comum acordo que agrade e agregue mais à feira”, disse.
Luiz Mário também destacou que o recuo na concessão não garante que não haverá mais processo de licitação futuramente, mas que agora todas as decisões serão tomadas em conjunto com a comissão do Centro Nordestino. “É ainda um processo que será debatido junto à comissão que o prefeito designou. Mas, nossa posição é firme e contrária à concessão da forma como ia ser feita”, garantiu.