A recente colocação, sob mira das autoridades reguladoras chinesas, da gigante da internet, Alibaba, e seu braço financeiro, o Ant Group, por práticas monopolistas e manobras financeiras de risco, foi analisada pelo articulista da RT, o britânico Tom Fowdy, que questionou o alarido da mídia ocidental sobre o “desaparecimento” do fundador do grupo, o bilionário Jack Ma, ressaltando que o controle das gigantes da internet se tornou uma preocupação até mesmo nos EUA e na União Europeia, como mostram as denúncias e investigações contra Google, Apple, Facebook e Amazon.
No final do ano passado, registrou Fowdy, as autoridades reguladoras chinesas brecaram a poucos dias do lançamento em bolsa a oferta pública inicial (IPO) planejada para a Ant Financial, a empresa que opera o popular aplicativo de pagamento Alipay.
“O IPO da Ant Financial foi definido para ser o maior da história mundial. Sua valorização de mercado seria medida em trilhões, maior até mesmo do que a economia do Reino Unido”, alertou.
“Se isso tivesse sido deixado ir em frente, isso teria significado que uma única empresa ganharia controle desproporcional sobre todo o sistema de pagamentos e empréstimos pessoais da China, e não teria concorrentes. Isso não seria um problema apenas para o Partido Comunista da China, seria sem dúvida um problema para qualquer governo do mundo”.
Fowdy comparou a ação das autoridades chinesas às pressões de órgãos dos EUA que levaram ao fracasso o projeto do Facebook de criar uma moeda digital própria, a ‘Libra’.
“Por que falhou? A cobertura falava sobre o Facebook controlar os dados financeiros de todos, tornar-se um paraíso para a evasão fiscal e, aparentemente, ter mais poder do que os próprios governos”, lembrou Fowdy.
Os órgãos chineses antitruste abriram uma investigação, acusando o grupo Alibaba/Ant de “práticas monopolistas, tais como restringir os vendedores de vender mercadorias em outras plataformas” – não muito diferente, registra o articulista, “de como as empresas de Big Tech como a Amazon e o Facebook têm sido criticadas nos EUA”.
Há ainda a questão, embora não abordada pelo autor, de que o grupo Ant não cumpre as normas de capital que os acordos internacionais pós-crise de 2008 (Basileia) impuseram à intermediação financeira, no caso, disfarçada de aplicativo.
Há acusações, também de dumping, de cobrança de taxas extorsivas (maiores do que os cartões de crédito) e da imposição do sistema de “um dos dois (Alibaba ou Tecent)” aos pequenos negócios, que ficam proibidos de usar outra plataforma concorrente.
Fowdy observou que a mídia ocidental rapidamente orquestrou uma narrativa de que a “queda” do bilionário Ma seria não por causa de práticas monopolistas ou para coibir manobras especulativas, mas se deveria “inerentemente” à natureza política e autoritária do regime chinês, batendo de volta nele por se tornar “grande demais para suas botas”.
A CNN destacou o fato de que, semanas antes do início da saga, em outubro, Ma criticara os reguladores chineses (por sua “aversão ao risco e inovação” e mentalidade de “loja de penhores”, que exige “garantia para tudo”, segundo o Global Times).
Depois da repercussão dessa atitude, da suspensão do IPO e da abertura da investigação por práticas anticoncorrenciais e especulativas, Jack Ma, aparentemente se recolheu à discrição.
Histeria e chavões da mídia ocidental à parte, parece bastante claro que, até certo ponto, a China está “caindo em cima da Big Tech”. No entanto, “a ênfase exagerada nos vícios do sistema chinês parece nublar o julgamento das pessoas sobre se isso é uma coisa boa ou não”, reiterou o jornalista.
“Sem dúvida, os monopólios da Big Tech são algo que precisa ser domado em todos os lugares – e poucos discordariam deste processo se ele estivesse sendo feito nos Estados Unidos”.
Na China, revela o articulista, o comércio eletrônico e a Big Tech estão muito mais entrincheirados na vida cotidiana do que no Ocidente. “Os pagamentos digitais são na verdade a norma neste país através de aplicações populares como Alipay (ligado a Ma) e WeChat Pay. Didi Chuxing supera de longe Uber em popularidade, aplicativos de entrega de alimentos como Meituan estão florescendo, enquanto Taobao, TMall, JD e, é claro, Alibaba, são as opções de comércio eletrônico”.
Mas, o que acontece “se uma destas organizações se tornar muito grande, muito influente e muito responsável politicamente?”, questionou Fowdy.
“Em todo o Ocidente, estão surgindo lutas políticas entre os reguladores e os monopólios cada vez mais poderosos da Big Tech. A União Européia, por um lado, está apertando os parafusos em várias empresas, incluindo o Google e a Amazon”, ressaltou o jornalista.
“Enquanto nos Estados Unidos, quantas vezes Mark Zuckerberg foi convocado ao Congresso, ou foi alvo de controvérsias sem fim devido a uma série de questões, incluindo práticas de monopólio, tratamento injusto dos concorrentes, desinformação sobre as mídias sociais, preconceitos percebidos”, na China até então Ma vinha sendo “um homem extraordinariamente bem sucedido” e, pode-se dizer, no entender de Fowdy, “demasiado dominante”.
Não se trata de uma questão ‘autoritarismo versus democracia’, “mas se as empresas Big Tech deveriam exercer um poder político desproporcional”, seja ou não na China.
“A resposta é não, e isso não é apenas um consenso em Pequim – é cada vez mais o consenso em Washington e Bruxelas, também”, resssaltou Fowdy. Ele assinalou que mesmo supondo que o sistema chinês seja mais pesado e intransigente no que pode potencialmente fazer a essas empresas, “alguém vai argumentar seriamente que isso é uma coisa ruim?”.
Ele chamou de “narrativa de soma zero” a atribuição de tirania ao partido governante chinês no caso da Big Tech, ignorando “o fato de que o Estado pode e toma decisões no interesse público”, e que, em última instância, as realizações de Ma podem ser tidas como incríveis, “mas não estão acima do interesse público”, nem isentas da “prestação de contas!”.
Fowdy concluiu apontando que se Mark Zuckerberg fosse enquadrado pelos reguladores americanos da maneira como Jack Ma está sendo, “isso seria celebrado”. “O governo chinês está mostrando a Ma quem é o chefe, e é exatamente assim que as empresas Big Tech devem ser administradas”.