O governo de Jair Bolsonaro não apenas segurou a divulgação do recorde de desmatamento da Amazônia em 15 anos, detectado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), como levou à COP26 um dado de queda de 5% da devastação no bioma, registrado em um documento oficial do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
O documento apresentado pela pasta do Meio Ambiente mostra um gráfico projetando um desmatamento de 10.308 km² em 2021 e o associa ao Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes). Seria uma redução de 5% em relação a 2020, quando os satélites mostraram uma destruição de 10.851 km².
No último dia 18 de novembro, o Inpe divulgou o relatório de desmatamento medido pelo Prodes, com uma área de 13.235 km² entre julho de 2020 e agosto de 2021, um aumento de 22% em relação ao período anterior. É o maior valor já registrado desde 2006.
Na última reunião do ano do Conselho da Amazônia, feita cinco dias após a divulgação dos dados oficiais, o vice-presidente do Brasil Hamilton Mourão assumiu a culpa pelo fracasso das ações no bioma.
“Não vou dizer que foi ministro A, ministro B ou ministro C. Eu não consegui fazer a coordenação e a integração da forma que ela funcionasse.” A fala é diferente do tom da reunião do dia 24 de agosto. A ata do encontro, que não foi tornada pública, mostra que os integrantes do conselho demonstraram um alinhamento à falsa constatação de reversão do desmatamento.
O secretário-executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Sergio Freitas de Almeida, “falou sobre a queda dos indicadores de desmatamento que vem sendo registrada nos dois sistemas, Prodes e Deter, por intermédio do Inpe”. O Deter reúne dados de alertas de desmatamento. O Inpe é vinculado ao Ministério da Ciência.
A pasta teve ciência do relatório do Prodes, que consolida os dados de forma oficial, no mesmo dia da conclusão do documento, 27 de outubro. E não diz por que deixou de agir nos dias que antecederam a COP26; afirma apenas que o Prodes é programado para divulgação em dezembro.
O secretário-executivo emendou logo em seguida políticas do ministério associadas à tentativa de combate ao desmatamento da Amazônia: “projetos de bioeconomia” voltados a cadeias produtivas de açaí, cupuaçu, castanha e pirarucu.
Para Ane Alencar, diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a política do governo Bolsonaro de ocupação de espaços na Amazônia lança sinais que podem resultar em grilagem e desmatamento.
“O sinal é: ‘Se pegarmos essa terra hoje, podemos conseguir a posse dela no futuro.’ Há um sinal claro de desgovernança ambiental. A falta de um poder público colocando ordem faz com que as pessoas se sintam livres para ganhar dinheiro com novas fazendas, exploração de madeira e garimpo”, diz Alencar.
Os dados do Ipam mostram que 54% do desmatamento na Amazônia em 2020 se concentrou em terras públicas. O ministério afirmou que somente a ocupação e a exploração “direta, mansa e pacífica” anterior a 22 de julho de 2008 é passível de regularização.
“A regularização fundiária não estimula a grilagem e novas ocupações irregulares”, diz, em nota. Ocupações em unidades de conservação, terras indígenas e áreas de interesse da União não podem ser regularizadas, segundo a nota.