A Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara Municipal de São Paulo realizou nesta quinta-feira (9) uma Audiência Pública para tratar da privatização das Casas de Cultura da cidade, nos moldes do que os privatistas chamam de “modelos de gestão compartilhada”. A Secretaria Municipal de Cultura pretende transferir a administração dos espaços com OSCs (Organizações da Sociedade Civil).
A proposta enfrenta resistência dos movimentos culturais das periferias da cidade, que consideram a ideia “completamente absurda” e que deve ser “fortemente combatida”, pois os esses espaços constituem parte “fundamental da identidade da cidade e parte essencial de sua vida cultural”.
“A ideia de privatizar um espaço cultural é completamente absurda e precisa ser fortemente combatida. Isto é especialmente verdade na cidade de São Paulo, onde as Casas de Cultura são parte fundamental da identidade da cidade e parte essencial de sua vida cultural”, diz o jornalista Erick Ovelha. Erick integra a Associação Cultural Esportiva Bloco do Beco, é pesquisador do samba paulista e integra um trabalho junto às comunidades de samba de São Paulo.
“A cultura da periferia é democrática, pública, fundada na solidariedade e na coletividade. Mas está sob ataque da Gestão do prefeito Ricardo Nunes”, completa.
Em dezembro do ano passado, a prefeitura abriu consulta pública para analisar o edital de chamamento das Casas de Cultura do município, com o objetivo de transferir a gestão com – toda a estrutura e equipamentos das Casas de Cultura – ás s OSCs, mas sem tornar público o modelo de concessão.
Presente à audiência, o ativista cultural Alessandro Azevedo, do Movimento Cultural da cidade de São Paulo, apontou a falta de transparência na tomada de decisão sobre a gestão das Casas de Cultura.
“Esse projeto de edital para privatização das Casas de Cultura – por mais que a secretária dê outro nome, é a privatização – não foi, em nenhum momento, discutido com a sociedade, com os trabalhadores da cultura, com a sociedade que usa esses equipamentos”.
“É justo que o Poder Público, ao fazer qualquer discussão para pensar na privatização, que não é o que o movimento quer, minimamente vá conversar, faça uma escuta, faça Audiências Públicas […] para poder ver se é isso mesmo que a população quer. E não é isso que está acontecendo”, disse.
A secretária municipal de Cultura, Aline Torres, que expôs um panorama sobre as Casas de Cultura, alega que a terceirização visa driblar a “burocracia” e facilitar as contratações.
“As Casas, hoje, são compostas, em sua grande maioria, por dois ou nenhum servidor público, que é o servidor efetivo, um servidor comissionado, que são os coordenadores, um funcionário de limpeza e dois funcionários de vigilância por turno, e contam também, óbvio, com o apoio de alguns jovens monitores. Então, esse é o quadro geral de RH das casas”, alegou.
“A Prefeitura de São Paulo [..] está aderindo à nova Lei de Licitação e a lei tem um entendimento muito mais complexo para cultura. Hoje nós estamos diminuindo o número de contratações artísticas, em especial de artistas periféricos, por conta da exigência da burocracia”, continuou a secretária.
“Então, através de uma OSC, facilitamos esse processo de contratação e eu consigo aumentar a execução de orçamento focada em artistas periféricos, em grupos e coletivos periféricos, além de ter um aumento gigante de RH”, justificou Torres.
O presidente do Sindsep (Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo), João Gabriel, rebateu as alegações da de Aline Torres e disse que os problemas das Casas de Cultura resultam da precarização do funcionalismo público.
“A gente nomeia de precarização programada, porque você tem um longo período em que não é ofertado para a população a renovação da força de trabalho. Sem a realização de concurso, sem um dimensionamento da equipe que acompanha o crescimento da cidade, a expansão do adensamento populacional, os equipamentos perdem capacidade, perdem a sua função original.
“Então, nós temos hoje um cenário de extrema precarização não só nas Casas de Cultura, essa situação de precarização é uma situação geral na cidade de São Paulo”, apontou João Gabriel.
A vereadora Elaine do Quilombo Periférico (PSOL, contrária à proposta, ressaltou a importância das Casas de Cultura para a “construção e instituição de arte periférica”.
“As Casas de Cultura são, de fato, um espaço fundamental para arte, para construção e instituição de arte periférica. São espaços que estão absolutamente na periferia, que estão distribuídos de forma que conseguem atender uma demanda que não consegue ser atendida por outros equipamentos públicos.
“E, na verdade, a experiência de outros equipamentos de cultura que foram entregues à OS não é satisfatória, sobretudo nas periferias. Os equipamentos que estão nas regiões mais afastadas sofrem de vários problemas quando são terceirizados, principalmente uma dificuldade muito grande do território acessar esse equipamento”, completou a parlamentar.
Também contrário ao projeto, o presidente da Comissão de Finanças, vereador Jair Tatto (PT), defendeu que a pasta da Cultura torne público o edital para a privatização para que os movimentos tenham acesso ao documento.
“Hoje nós conseguimos entender definitivamente e ter [a informação] da Secretaria de Cultura do município que há uma versão final do edital. Então, agora disponibilize esse edital para que os movimentos possam ter acesso, os vereadores e vereadoras dessa Casa possam ter acesso, a sociedade como um todo, para saber do que se trata essa chamada parceria que a secretaria coloca.
Criadas na gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1993) por reivindicação dos povos das periferias, as Casas de Cultura (num total de 20) integram a categoria de bens culturais públicos, em conjunto com as Bibliotecas Públicas, Centros Culturais, Teatros e as EMIA’s – Escola Municipal de Iniciação Artística e são administradas pela Secretaria Municipal de Cultura (SMC) e a Prefeitura de São Paulo.
Além de promover a cultura popular e periférica, esses espaços oferecem atividades de formações educacionais e culturais que acolhem artistas da periferia. Além disso, são abertas para um público de todas as idades para debates, shows, cursos e organização de coletivos culturais. O histórico de construção desses polos culturais