Decisão acontece após a desistência de Argentina e Colômbia e recusa de Chile e Uruguai de sediar evento em meio à pandemia de Covid-19, que, só no Brasil, já matou mais de 462 mil pessoas
Após as desistências por conta da pandemia na Argentina e Colômbia e recusa de Chile e Uruguai, a Conmebol anunciou, nesta segunda-feira (31), que a próxima edição da Copa América será disputada no Brasil. As datas permanecem as mesmas – 11 de junho a 10 de julho -, mas as sedes ainda serão divulgadas. Manaus, Brasília, Natal e Recife são as cidades apresentadas pelo governo Bolsonaro para sediar a competição.
O Brasil se torna sede da Copa América depois das desistências de Colômbia e Argentina que vivem um momento difícil da pandemia. Após essas desistências, o Chile e o Uruguai foram consultados e também recusaram pelo mesmo motivo.
Jair Bolsonaro de prontidão aceitou a realização do torneio no Brasil mesmo num momento de descontrole da pandemia e grande risco de uma nova onda de Covid-19 no país. O Brasil tem mais de 462 mil mortes por Covid-19 e ocupa o segundo lugar no mundo com mais óbitos em decorrência da doença.
A capital amazonense, inclusive, nos últimos meses, colapsou com uma nova cepa da doença levando à superlotação das Unidades de Pronto Atendimento (UTIs) à morte de pacientes por falta de oxigênio.
A Argentina deixou de ser sede da Copa América devido à piora da pandemia de Covid-19 no país. O ministro do Interior, Wado de Pedro, disse no domingo que organizar o torneio seria inviável, principalmente em Mendoza, Córdoba, Buenos Aires, Tucumán e Santa Fé. A Argentina tem cerca de 45 milhões de habitantes, e registrou até agora mais de 3,6 milhões de casos, com mais de 76 mil mortes.
A Colômbia, por sua vez, abriu mão da Copa América também por conta do agravamento da pandemia. Além disso, o país vivencia uma série de protestos contra o governo Iván Duque, que matou mais de 60 pessoas em atos de repressão nas últimas semanas.
Os quatro países, no entanto, possuem uma visão comum: o clima não é de festa.
Já Bolsonaro, que diariamente realiza eventos com o intuito de espalhar o vírus e sabotar o combate à pandemia, não pestanejou. Nas palavras da Conmenbol, “abriu as portas” do país ao evento.
Escárnio
Relator da CPI da Covid-19, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), também utilizou as redes sociais para criticar a transferência da sede da Copa América para o Brasil, na qual ele classificou como “campeonato da morte”.
Renan comparou a agilidade do governo Bolsonaro para responder às solicitações da Conmebol com a velocidade para recusar e ignorar a compra de vacinas contra a COVID-19.
“Com mais de 462 mil mortes, sediar a Copa América é um campeonato da morte”, escreveu o senador. “Sindicato de negacionistas: governo, Conmebol e CBF (Confederação Brasileira de Futebol). As ofertas de vacinas mofaram em gavetas, mas o ok para o torneio foi ágil. Escárnio”, completou.
Pouco depois do anúncio do torneio, o Governador de Pernambuco, Paulo Câmara, por meio da assessoria de imprensa, determinou que o estado não fará parte das sedes. O posicionamento de Câmara, foi tomado após a capital do Estado ser dada como uma das possíveis sub-sedes da competição. De acordo com o governador, os números da pandemia inviabilizam a proposta.
No caso de Pernambuco, o estado atualmente totaliza 481.070 casos da Covid-19 e 15.807 mortes provocadas pela infecção. No último domingo, o estado registrou 2.168 infectados pelo novo coronavírus e 65 óbitos causados pela doença.
Pernambuco está atualmente no pior momento da pandemia no estado, com taxa de ocupação de leitos para pacientes com SRAG em 91% na rede pública e 86% na privada. Em situação mais crítica, a rede pública tem doentes em 98% dos leitos de UTI e em 83% na enfermaria.
O detalhe é que em março deste ano, inclusive, o Recife receberia a partida entre Brasil e Argentina pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2022. Mas por causa da piora da pandemia na América do Sul, terminou sendo adiada. Atualmente, o duelo está marcado para o dia 16 de novembro, mas ainda sem local definido.
O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) considerou “surreal” que a Conmebol tenha transferido a Copa América para o Brasil neste momento.
Orlando foi ministro dos Esportes durante o governo do ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Sua gestão foi marcada tanto pela realização de grandes eventos, como os Jogos Panamericanos no Rio de Janeiro, em 2007, quanto pela captação da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016.
O ex-ministro lembra que “estamos às portas de uma terceira onda do vírus e somos o segundo país do mundo em número de mortes. Querem dizimar a população? ABSURDO!!!”
“É surreal que a Conmebol transfira os jogos da Copa América para o Brasil nesse momento. Estamos às portas de uma terceira onda do vírus e somos o segundo país do mundo em número de mortes. Querem dizimar a população? ABSURDO!!!”
Orlando disse ainda ser “evidente que o avalista da realização da Copa América no Brasil é o genocida em chefe de República. Bolsonaro tem pulsão de morte, zomba e festeja o sofrimento de seu próprio povo. O troféu será uma urna funerária comemorativa da marca de 500 mil mortos”.
O epidemiologista Pedro Hallal, ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), disse que a decisão é “temerária”.
“Eu achei uma decisão muito temerária. Tem outros países aqui da América do Sul que estão com a vacinação muito mais avançada e com a pandemia muito mais controlada – o Chile, óbvio, que é o exemplo mais fácil de dar. Então, fica estranho de entender de onde que vem essa decisão”, ponderou.
Até agora, 52% da população chilena já recebeu as duas doses de alguma vacina contra a Covid-19.
Em sua conta na rede social Twitter, Hallal escreveu: “A Copa América no Brasil é um deboche e um desrespeito com as 460 mil famílias em luto no país. A decisão foi tomada exatamente no momento em que a terceira onda se inicia. Como fã de futebol, lamento que o esporte esteja cada vez mais se afastando do povo”.
Tapa na cara
Da mesma forma, o anúncio do torneio irritou o narrador Luís Roberto. Presente no “Seleção SporTV”, ele afirmou que trata-se de um “tapa na cara” dos brasileiros, que enfrentam uma “pandemia descontrolada”. “Oi, Rizek! Boa tarde! Que alegria! Só que não. Isso é uma vergonha. O boladão hoje vai chegar com tudo. Essa Copa América fora de hora, que já não deveria ser realizada. Claro, a pandemia interrompeu várias competições muito a fora, e obviamente que neste momento, com o calendário todo estrangulado no Brasil, a Copa América é só mais um torneio caça-níquel, sem nenhuma expressão nesse momento. A última que foi disputada no Brasil teve sua relevância, sua atmosfera”, iniciou Luis Roberto em sua primeira participação no programa.
“Além de desfalcar os times, de amontoar o calendário, um mês de Copa América… Já seria ridícula a realização dela em condições normais, aí vem a notícia, depois da desistência de vários países irmãos, que não têm condições por conta da pandemia, e no país que tem a pandemia descontrolada, que levou nove meses para responder à carta da Pfizer, respondeu em dez minutos que ‘vamos fazer a Copa América’. Abertura em Brasília, jogos em Natal, Pernambuco, final com público. É inaceitável! A sociedade brasileira, a coletividade do futebol e do esporte, nós não podemos aceitar essa decisão. Que se realize, que faça o que bem entenderem, que os negacionistas façam caravanas à Brasília, para ter público na grande final. Momento apoteótico dessa porcaria dessa competição! É uma vergonha! É um tapa na cara dos brasileiros!”, completou o narrador.
Além dele, o ex-jogador e comentarista Júnior também criticou a realização da competição no Brasil, e cobrou um posicionamento dos jogadores.
“Realmente, é inacreditável que a gente, com todos esses problemas, tenhamos uma notícia como essa aqui. Eu gostaria que os jogadores, não só do Brasil, mas de outras seleções, pudessem se posicionar em relação à realização dessa Copa América, com todos os problemas. Em todos os países você tem problemas. Gostaria que de repente os capitães das seleções se posicionassem em relação à realização da Copa América”, completou.
Cova América
O deputado federal e ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) também se manifestou nas redes sociais sobre a notícia de que o Brasil aceitou sediar a Copa América, torneio recusado por Colômbia e Argentina em razão da pandemia da Covid.
“Pandemia em expansão. Brasil é, neste momento, um grande covidário. Hoje ficamos sabendo que o Brasil vai sediar a ‘Cova América’”, escreveu no Twitter o ex-ministro da Saúde, referindo-se a um dos apelidos que o torneio recebeu.
“Um total cinismo em relação ao que está acontecendo. Inacreditável”, acrescentou Mandetta.
Luis Suárez, atacante do Atlético de Madrid e da seleção do Uruguai, está surpreso que os planos de realizar a Copa América ainda estejam de pé, apesar da situação ruim da pandemia de Covid-19 na América do Sul. Concentrado para jogos das Eliminatórias da Copa do Mundo de 2022, que será no Catar, o centroavante comentou a situação.
“Me chama muito a atenção que a Copa América aconteça mesmo na situação complicada que estamos vivendo. Temos que dar prioridades para a saúde dos seres humanos”, afirmou Luis Suárez, em entrevista coletiva no último sábado (31), em Montevidéu.
Mascote Cloroquito
Na internet, a crítica à decisão de realizar o evento foi geral. O principal argumento levado em consideração é a falta de gestão do país em relação ao combate da pandemia da Covid-19, mesmo motivo que fez com que a Argentina desistisse de receber o torneio.
Um meme já surgiu ironizando a situação. Nele, aparece o “Cloroquito” como nome de mascote para a competição, e outro sugerindo a possibilidade da criação de uma nova variante do vírus.