
Rejeição ao obsceno veto presidencial já era esperada. Durante a votação, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) alertou que o decreto do presidente é armadilha e defendeu a derrubada da rejeição ao projeto
O Congresso Nacional derrubou, nesta quinta-feira (10), os vetos à lei que criou o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214/21). O veto foi derrubado por 425 votos a 25 na Câmara dos Deputados, e 64 a 1 no Senado. Favas contadas. Não havia a menor chance de o veto prevalecer, sobretudo porque se trata de ano eleitoral.
Um dos dispositivos vetados e agora retomados na lei é o que prevê a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes de baixa renda e pessoas em situação de rua.
A derrubada do veto envolveu meses de mobilização das parlamentares e também de organizações da sociedade civil, que classificavam o veto como ato contra as mulheres.
O projeto que deu origem à lei (PL 4.968/19), da deputada Marília Arraes (PT-PE), havia sido aprovado com o objetivo de combater a precariedade menstrual, que significa a falta de acesso ou a falta de recursos para a compra de produtos de higiene e outros itens necessários ao período da menstruação.
O texto fora aprovado no Senado e enviado à sanção presidencial em meados de setembro do ano passado. Assim, os trechos da lei entram em vigor com quase cinco meses de atraso. O veto foi obsceno, inclusive porque no texto da matéria havia indicação de onde sairiam os recursos para financiar a demanda.
Ao vetar, o presidente Jair Bolsonaro (PL) escreveu nas “razões do veto”, que o fizera porque (pasmem!) “contrariava o interesse público”, ao “não indicar a fonte de financiamento”. No texto da matéria, a fonte estava indicada — o SUS (Sistema Único de Saúde).
MAIS FALÁCIAS
No veto a seis trechos do projeto, Bolsonaro usou como argumento, além da falta de previsão de fontes de custeio, a incompatibilidade com a autonomia dos estabelecimentos de ensino.
Nesta semana, às vésperas da votação do veto, ele assinou decreto que prevê a proteção da saúde menstrual e a distribuição gratuita de absorventes e outros itens de higiene.
Todavia, para a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), que foi relatora do projeto no Senado, os parlamentares não podem se iludir com o decreto presidencial, porque o dispositivo não torna o combate à pobreza menstrual política de Estado.
Além disso, ela apontou que o decreto diminui a quantidade de mulheres atendidas pela iniciativa.
“A gente tem que derrubar por inteiro o veto da ‘pobreza menstrual’. Não se iludam com essa história de decreto, essa política tem que ser de Estado. Claro que uma lei tem muito mais poder do que um decreto, que a qualquer hora o presidente pode derrubar. Eu acho sim uma falta de respeito ao Congresso”, disse a senadora.
VIOLÊNCIA DO GOVERNO CONTRA AS MULHERES
A autora do projeto, deputada Marília Arraes, classificou a derrubada do veto como reparação à violência do governo contra as mulheres. Para ela, a retomada dos trechos vetados significa diferença significativa nas vidas de meninas e mulheres, em tema que sempre ficou de fora das discussões pela falta de oportunidade para mulheres em espaços de poder.
“Estamos fazendo uma reparação pelos anos em que esse assunto foi escondido, guardado ali numa caixa. Uma reparação à violência que tantas meninas e mulheres passaram ao ver esse projeto vetado e com todas as justificativas mais esdrúxulas no mundo”, asseverou.
“O presidente falou todo tipo de atrocidade e, de repente, ele aparece como se fosse salvar o mundo com um decreto, que, além de não ter concretude, não tem segurança”, acrescentou a deputada.
ARMADILHA, O DECRETO
Durante a votação, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), alertou que o decreto é uma armadilha. Ela lembrou que esse tipo de dispositivo não tem a perenidade de lei e pode ser desfeito facilmente.
Além disso, ela apontou artigo do decreto que condiciona a execução à disponibilidade orçamentária e financeira, o que na opinião da senadora, pode ser meio para justificar a falta de regularidade na distribuição.
“Jornal, miolo de pão, tecido. Esses são alguns dos instrumentos que as nossas adolescentes do Brasil utilizam como absorvente durante o período menstrual. Esses números realmente são preocupantes: em média, 26% de nossas adolescentes, em algum momento do período escolar, faltam à aula exatamente pela falta do absorvente higiênico”, lembrou Eliziane, que classificou o veto ao projeto como desumano.

DISPOSITIVOS RETOMADOS
Com a decisão do Congresso, foi derrubado o veto ao artigo 1º do projeto, que previa “a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos e outros cuidados básicos de saúde menstrual”.
Também foi retomado o artigo 3º, que apresentava a lista de beneficiadas, tais como estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; mulheres em situação de rua ou vulnerabilidade social extrema; mulheres apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal; e mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.
Outros dispositivos que foram retomados determinavam que as despesas com a execução das ações previstas na lei ocorreriam por conta das dotações orçamentárias disponibilizadas pela União ao SUS ou pelo Fundo Penitenciário Nacional, e a inclusão de absorventes nas cestas básicas entregues no âmbito do Sisan (Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional).