O deputado Filipe Barros (PSL-PR), relator da proposta de emenda que pretende ressuscitar o voto impresso (PEC 135/19), mandou uma equipe ao presídio Professor Jacy de Assis, em Minas, para gravar um depoimento do hacker Marcos Roberto Correia da Silva, no qual o presidiário fala de supostas habilidades capazes de derrotar a Justiça Eleitoral.
O vídeo, enfeitado com trilha de suspense e com a indicação de ser “bombástico”, foi exibido posteriormente nas redes sociais e por canais e sites bolsonaristas como suposta prova de fragilidade das urnas eletrônicas. Porém, segundo especialistas na área, é repleto de informações falsas e enganosas.
Fontes com acesso às investigações a que ele responde garantem que suas capacidades são muito menos sofisticadas do que o jovem quer fazer parecer.
Marcos Roberto foi preso pela primeira vez no final de 2019, em Uberlândia (MG), por atacar sites governamentais e aplicar golpes de internet.
Segundo informações da Agência Estado, o hacker foi pego enquanto visitava um amigo, mas se preocupou menos com o constrangimento e mais com a repercussão do fato. A todo tempo, com entusiasmo, perguntava aos policiais quando teria o nome e a imagem estampados.
Ocorre que a publicidade sobre seus feitos costuma reforçar a reputação de cibercriminosos. Ele é conhecido no submundo da internet como VandaTheGod e a divulgação – que não ocorreu na época – seria uma espécie de prêmio às avessas.
A propaganda que Marcos Roberto não obteve há um ano e meio veio agora por meio de um deputado bolsonarista interessado em usá-lo para colocar em xeque a credibilidade das urnas eletrônicas.
O hacker foi perguntado se com tempo e estrutura conseguiria “invadir o sistema eleitoral”. Algemado, afirmou: “Conseguiria”. E disse que poderia inserir votos artificialmente em servidores: “Manipularia tudinho”. Há anos a Justiça Eleitoral usa tecnologia de ponta e recebe especialistas para testes públicos de segurança. Nenhum atestou o que Marcos declarou.
Com 25 anos, ele até pouco tempo usava um velho notebook Samsung e morava com uma companheira no assentamento Glória, na área de Uberlândia. Sem formação acadêmica, aprendeu sozinho a interagir com computadores e a programar.
No dia em que foi gravado pela equipe de Filipe Barros, o hacker contou ter sido chamado para conceder “entrevista a uma empresa de cibersegurança”. O jovem foi levado ao cartório da prisão, onde duas pessoas o aguardavam com câmera. Uma terceira fez perguntas por meio do celular de um dos presentes.
Os advogados dele só tomaram conhecimento da gravação após ela ir ao ar. Para eles, houve claro prejuízo à defesa e às garantias do preso, uma vez que o rapaz foi submetido a um contexto que pode implicá-lo em processos a que responde sem que tenha tido orientação técnica. “O deputado usou o Marcos como boneco de manobra política”, diz o advogado André Coura.
O nome de Marcos apareceu em dois crimes cibernéticos recentes: o ataque ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas eleições de novembro, e o vazamento de dados da Serasa de mais de 200 milhões de CPFs. Ele também esteve envolvido em invasões anteriores, como à página do Senado. O ataque ao TSE, não gerou prejuízo ao sistema de votação e à contagem de votos. Os dados vazados eram administrativos.
No depoimento à equipe do deputado, o hacker mudou a versão em que negava a invasão do TSE. Disse que entrou no tribunal e passou informações a outra pessoa. Até então, a responsabilidade por esse ataque era do hacker português Zambrius, que foi preso em Portugal e afirmou ter agido sozinho.
Marcos é apresentado no vídeo como um hacker ativista. Entretanto, o deputado bolsonarista desprezou uma parte do passado do jovem. Ao ser preso em 2019, ele era alvo de inquérito por estelionato. A denúncia da promotoria de Uberlândia cita mais de 200 tentativas de compras de produtos na internet a partir de cartões de crédito de terceiros obtidos por fraude. Ele saiu da prisão e passou a usar tornozeleira eletrônica. Nas redes, anunciava a venda de bancos de dados roubados em troca de bitcoins.
A peça promocional foi ao ar em 16 de julho, dia em que Filipe Barros por pouco não amargou uma derrota. Perto de ver a proposta do voto impresso ser sepultada na comissão especial, ele e os governistas conseguiram por meio de manobras antirregimentais adiar até agosto a análise da PEC na comissão especial.
O presidente Jair Bolsonaro tem insistido que a urna eletrônica é passível de fraude, sem provar nada.