Decano do STF (Supremo Tribunal Federal) afirma que ex-presidente insuflou apoiadores contra a Corte, a democracia e o Estado de Direito
O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), avalia que, independentemente de qualquer debate sobre as consequências jurídicas da atuação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nos episódios que culminaram nos atos do 8 de janeiro, a responsabilidade política dele, na condição de presidente da República, no episódio é “inequívoca”.
Para ele, Bolsonaro insuflou seus apoiadores contra a Corte máxima do Judiciário brasileiro e “na estrutura do governo”, trabalhava-se para implantar o caos que forçasse a adoção de decreto de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) para atentar contra a democracia e o Estado de Direito.
As declarações foram dadas em entrevista exclusiva ao jornal O Tempo, em Brasília.
CRISE INSUFLADA PARA PROVOCAR GOLPE DE ESTADO
Para Gilmar, isso já vinha acontecendo desde os atos de 7 de setembro de 2021. “Havia essa expectativa de se instalar uma crise institucional. E aí então ‘vamos ter que lançar mão da GLO’”, afirmou o ministro.
“Quer dizer, uma desordem autocausada, porque era o presidente comandando todo esse fenômeno, e depois se diz: ‘Agora eu não consigo segurar a turba e preciso das Forças Armadas’. E aí Deus sabe o que poderia acontecer. Então, nesse sentido é que me parece que isso já vinha sendo gestado lá atrás”, completou
Para o decano do STF, os atos de 7 de setembro de 2021 e 2022 eram “ensaios” para medir “quanto de domínio se tinha em relação a essa turba”.
RESPONSABILIDADE DE BOLSONARO
“E a gente viu o que essas pessoas eram capazes de fazer, as coisas que nós vimos no 8 de janeiro, então isso me parece extremamente grave. Independentemente do debate sobre a responsabilidade jurídica do presidente da República, que segue o processo, é inequívoca a responsabilidade política dele em relação a isso. Ele insuflava essas pessoas, jogava essas pessoas contra o Supremo Tribunal Federal. Isso é visível. E inegável”, afirmou o ministro.
Ao recordar dos atos de 2021, sobretudo na noite do dia 6 de setembro, Gilmar afirmou que se os caminhões rompessem as barreiras até a praça dos Três Poderes, o estrago seria ainda maior.
‘PROVOCAR UMA HECATOMBE’
“Em um determinado momento, se vocês olharem os registros, os caminhões avançaram para além daquele limite que tinha sido imposto.”
“Na noite anterior e, veja, caminhões aqui embaixo poderiam provocar uma hecatombe, um desastre enorme”, lembra ele, ao afirmar que acompanhou permanentemente o quadro, em contato com o ministro Alexandre de Moraes, com Luiz Fux, presidente da Corte na ocasião, e com o secretário da Casa Civil, Gustavo Rocha.
Para o ministro do STF, ao contrário do que se deu em 8 de janeiro, nos atos de 7 de setembro, a Corte teve apoio dos militares e de “algum controle da Polícia Militar”, lembrou o ministro.
PEGOS DE SURPRESA
“Então, eu não acho que nós esperávamos uma invasão e nem desejávamos ter planos, porque obviamente não se cogitava disso, mas havia um certo respaldo do próprio Batalhão da Guarda Presidencial. Havia articulações nesse sentido para evitar talvez um mal maior.”
“Falando dos dois 7 de setembro, né? Acho que a própria Polícia Militar, com seus problemas, foi naquele momento mais efetiva do que se demonstrou agora no 8 de janeiro”, afirmou.
Na data da invasão dos prédios dos Três Poderes, Gilmar Mendes estava em Lisboa, almoçando com o professor Nuno Pissarra, juiz da Corte Europeia em Luxemburgo.
“Comentávamos exatamente que a transição tinha sido pacífica. O 1º de janeiro, a posse e tudo isso. E em seguida me veio a notícia do que tinha ocorrido e de toda essa destruição que se tinha cometido contra as três instituições, o Congresso; a Presidência da República, o Palácio do Planalto; e contra o Supremo Tribunal Federal. E fiquei muito tocado e decidir voltar em seguida”, refletiu o ministro.