
Entidades representantes dos aposentados reagiram à manobra do governo para tentar barrar o avanço da revisão da vida toda, que garante aos aposentados o ingresso na Justiça para pedir a inclusão das contribuições feitas até 1994 para fins de cálculos de seus benefícios.
Em julgamento virtual, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria (6 a 5) a favor dos aposentados. Mas, a 29 minutos do término do prazo do julgamento, o ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, pediu destaque para que o processo passe ao presencial, retomando, assim, o julgamento do zero.
Para Guilherme Portanova, advogado da Federação das Associações de Aposentados e Pensionistas do Estado do Rio de janeiro (Faaperj), a intenção do destaque é anular o voto do ministro Marco Aurélio Mello, favorável à constitucionalidade da norma, uma vez que o ministro se aposentou. Em seu lugar entra outro ministro indicado por Bolsonaro, André Mendonça. “Além de ser de uma crueldade inacreditável, não temos segurança jurídica alguma, e isso, é muito pior do que ter uma tese negada”, declara Portanova.
O advogado João Badari, do Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev), protocolou uma questão de ordem junto ao Supremo.
Badari argumentou que “o presente processo teve ampla produção probatória, com a juntada de sustentações orais das partes e amigos da corte, parecer do procurador-geral da República, memoriais, despachos, nota técnica juntada pelo INSS com informações sobre o custo da ação para seus cofres e também o voto divergente do ministro Kassio Nunes Marques. O voto divergente foi muito bem fundamentado, e isso demonstrou a profundidade do debate levado ao Supremo Tribunal Federal”, afirma João Badari no texto, de acordo com reportagem do jornal Extra.
Por conta disso, acrescenta o texto, “não existe a necessidade de um tema ser levado para o plenário presencial se por meio do plenário virtual o processo se aprofundou, não ocorreu de forma rasa”.
“Todas as partes, incluindo o INSS obviamente, conseguiram exaurir a produção de provas para a elucidação do tema deixando os ministros convictos para proferirem seus votos acompanhando ou não a relatoria do, agora aposentado, ministro Marco Aurélio”, acrescenta, ressaltando que o ministro levou 8 meses entre a apresentação de seu voto e o pedido de destaque.
“O pedido de destaque não pode ser utilizado de maneira estratégica, possibilitando vetar uma decisão que se mostra consolidada. Ele tem que respeitar os princípios administrativos, o que inclui moralidade, finalidade e motivação. Alegar que o destaque é válido como regra, mas, no caso concreto, do modo que foi utilizada, acaba se subvertendo em ato que não condiz com o espírito e a finalidade da norma”.
“De forma muito clara ficou constatado que ao ter seu voto divergente não sendo seguido pela maioria do colegiado, um pedido de anulação do julgamento foi solicitado. Em um processo que está em jogo a defesa do preceito fundamental da segurança jurídica constitucional, isso traria um abalo também na segurança jurídica das decisões da Corte. Pois no caso de cenário que possa indicar uma possível derrota, qualquer ministro pode pedir destaque para zerar uma votação desfavorável a si”, escreve Badari.
E finaliza: “A reviravolta no julgamento ofende o princípio da colegialidade, segurança de legitimidade democrática”. E que: “Este pedido de destaque levanta diversos questionamentos sobre segurança jurídica, devido processo legal e princípio do juiz natural. Agora a composição do Tribunal é outra, e futuramente os destaques podem começar a serem utilizados para uma indesejada modificação de posicionamento do colegiado. O pedido de destaque deve respeitar os princípios administrativos, dentre eles a moralidade, motivação e finalidade, sob pena de não condizer com o espírito e finalidade da norma”.
“IMPACTO ECONÔMICO”
Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), falou sobre a pressão feita pela Advocacia Geral da União (AGU) para que a decisão não fosse concluída favorável à revisão.
Inicialmente, o governo informou que o impacto econômico da medida seria de R$ 46,4 bilhões, em nove anos. Na semana passada, a seus apoiadores do cercadinho, Bolsonaro chegou a falar em R$ 360 bilhões, em 15 anos.
No entanto, os dados vêm sendo questionados pelas entidades. Para o IEPREV, “o INSS trabalha com suposições em uma nota técnica inflada levada ao Supremo”, e até mesmo o valor apresentado inicialmente, R$ 46 bilhões, já era inflado.
De acordo com Adriane, “o impacto não é tão significativo, considerando que a partir da reforma os casos concedidos não terão aplicação da tese, além da decadência aos que se aposentaram há mais de 10 anos. Além disso, muitos segurados não terão cálculo favorável”.
Ainda que a parcela com direito à revisão seja pequena, o Instituto ressalta que a medida é extremamente significativa para aqueles que contribuíram com valor maior por muitos anos até 1994.