Escrituras lavradas no cartório de notas do município atestam que o deputado fez o pagamento em “moeda corrente do país, contou e achou certo” — jargão que costuma definir dinheiro em espécie
Documentos assinados em cartório no interior do Estado de Alagoas apontam que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não declarou à Justiça Eleitoral nas últimas eleições que havia pago valores equivalentes a R$ 1 milhão pela posse de duas fazendas.
E o fez, segundo documentos, como os Bolsonaros gostam de fazer. Pagou em dinheiro. Montantes assim, pagos em dinheiro, são suspeitíssimos, pois ninguém anda a tiracolo com quantias expressivas assim. Ademais, pagar em dinheiro esse tipo de transação, em geral, é para esconder ilícitos, como lavagem de dinheiro.
As informações foram divulgadas pelo jornal Folha de S.Paulo e estão em duas escrituras públicas lavradas no início de 2018 no município de São Sebastião, à cerca de 120 km da capital Maceió.
NEGÓCIO SUSPEITO
Lira alega que apesar de anotada em cartório, a transação não foi levada adiante naquela época, sendo consumada apenas em 2020.
De acordo com os documentos, a quantia repassada a um grupo de herdeiros, equivale a 42% do total do patrimônio declarado pelo deputado naquele ano eleitoral, R$ 2,2 milhões corrigidos pela inflação ou R$ 1,7 milhão em valores de 2018.
Ainda conforme a Folha, as fazendas são chamadas de Tapera e Paudarqueiro e ficam às margens da BR-101, em São Sebastião, município vizinho a Junqueiro, cidade natal do ex-senador Benedito de Lira, pai do deputado.
CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS
Atualmente, o local é usado para criação de gado. Segundo vizinhos, as terras foram anexadas à outra área também ocupada pelo parlamentar, com a mesma finalidade de pecuária. A Tapera e a Paudarqueiro somam 110 hectares.
Os documentos registrados em cartório citam pagamentos que somam R$ 728,3 mil em valores da época — e que, em valores corrigidos pelo índice oficial de inflação, equivalem a R$ 955 mil.
Segundo a publicação, a negociação feita foi cessão de direitos hereditários, tipo de transação na qual há espécie de reserva pelo comprador de bens que ainda estão pendentes de destinação em inventário não finalizado na Justiça.
GASTO PRECISA SER INFORMADO À JUSTIÇA ELEITORAL
Especialistas em direito eleitoral apontam que ainda que não signifique a propriedade definitiva do bem, esse tipo de gasto precisa ser informado ao se oficializar a candidatura.
A Justiça Eleitoral, contudo, não faz a verificação das posses declaradas no momento do registro de candidato, só agindo caso haja contestação de adversários ou do Ministério Público.
As escrituras lavradas no cartório de notas do município atestam que o deputado fez o pagamento em “moeda corrente do País, contou e achou certo” — jargão que costuma definir dinheiro em espécie.
Lira nega, no entanto, que tenha quitado os valores dessa maneira e afirma que foi feita transferência bancária apenas dois anos depois. A direção do cartório local diz que se trata de expressão tirada de modelo, e a família não comenta a forma de quitação.
M. V.