Nunca foi feito um vídeo sobre o Partido Comunista da China (PCCh) no Meia Noite em Pequim, observa o pesquisador e escritor Elias Jabbour no programa semanal da TV Grabois, e imediatamente se dedicando a sanar a lacuna.
Mesmo pessoas escolarizadas com mestrado ou doutorado ao opinarem sobre o PCCh acabam repetindo o chamado ‘senso comum’, ou seja, o partido exerce um ‘poder autoritário’ sobre a China, o que reflete – como aponta Jabbour – uma série de mecanismos internacionais institucionais e financeiros, sobre o que é ser de direita ou de esquerda no mundo de hoje e sobre ‘democracia’ e ‘autoritarismo’.
Assim, testemunha o pesquisador, se eu defendo a experiência chinesa posso ser tido como uma ‘figura conservadora’ por estar defendendo um ‘regime autoritário’. É assim que se reescreve o que é ser de esquerda ou de direita no mundo e no Brasil.
Para Jabbour, o Partido Comunista da China demonstrou uma enorme capacidade política para exercer o poder político e conseguiu em 72 anos de revolução se tornar a força política mais avançada do nosso tempo histórico.
Vamos à prática: em 1917, a Revolução Russa; em 1919, o Manifesto Comunista é traduzido em mandarim; em 1921 o Partido Comunista é criado na China; e em 1949 chega ao poder. Ou seja, após 28 anos de fundação do partido ele chega ao poder – é uma trajetória simplesmente impressionante.
Observando em perspectiva histórica, a razão pela qual eles conseguem é que acertaram na política a partir de 1935, quando Mao Tse Tung é alçado à condição de chefe do PCCh e surge todo um processo de sinização do marxismo.
Ou seja, a fusão do marxismo com a filosofia clássica chinesa e o pensamento clássico chinês, levando a uma leitura correta da realidade, e abandonando modelos importados prontos.
Assim – assinala o pesquisador – Mao elabora as teses do cerco das cidades pelo campo por perceber que os camponeses eram historicamente a classe revolucionária na China, que se rebelava contra dinastias corruptas e ineptas para entregar obras públicas, inaugurando uma nova dinastia.
Ele também rompe com a concepção de ‘revolução proletária’ da Terceira Internacional e assume a centralidade da questão nacional. Mao, que nunca foi um dogmático na política – até pelo menos 1956, até o Grande Salto à Frente – fez ainda todas as alianças pontuais necessárias.
Na medida em que em 1935 as pessoas percebem que o PCCh havia se transformado no partido da defesa da nação e das pautas camponesas, elas apoiam o partido e este chega ao poder em 1949 depois de uma guerra civil com o Kuomitang, que se esconde em Taiwan.
Jabbour destaca que o PCCh mudou muito ao longo do tempo e hoje tem como característica fundamental não ser um bloco monolítico, onde todo mundo pensa igual. Desde sempre a trajetória do PCCh é marcada por grandes disputas internas.
O próprio Mao foi alçado à condição de chefe do partido, depois de uma longa batalha interna, diante do fracasso da revolução de 1928, quando ao seguir à risca os desígnios do Comintern este foi praticamente dizimado, tendo que empreender a Longa Marcha para escapar do cerco do Kuomitang.
Também é marcante que, durante o período Mao, diferentemente da União Soviética, fosse permitido até certo ponto o florescimento de ideias diferentes dentro do partido. Claro que com limite, por causa tanto do cerco imperialista quanto do revisionismo soviético.
Mas Deng Xiaoping não foi morto porque pensava diferente de Mao Tse Tung, e entre outros exemplos o pai de Xi Jinping não foi morto porque pensava diferente. Com o final da Revolução Cultural, em 1978 se chega à conclusão de que a China deveria mudar o rumo da sua construção socialista.
São lutas intensas dentro do Partido Comunista até chegar a uma posição de consenso, sublinha Jabbour. Tem até um livro de Deng Xiaoping que é maravilhoso para entender essas disputas internas nessa época.
De lá para cá existe um único consenso no PCCh sobre o futuro da China: que se trata de uma experiência soberana e que se deve ter um caminho próprio. Mas no que concerne à política econômica existem várias correntes dentro do partido que disputam, digamos assim, a política a ser praticada. A visão da propriedade privada no socialismo, a mesma coisa: existem opiniões diferentes dentro do Partido Comunista.
Há disputas, acrescenta o pesquisador, que muitas vezes esticam a corda. Por exemplo, agora, essa questão do lockdown de Xangai. Há grandes rumores que muito do que acontece hoje em Xangai é parte de uma disputa interna.
Xangai sempre foi mais liberal que o resto do país, Pequim é um pouco mais ortodoxo em relação não só ao marxismo mas em relação à própria liderança chinesa. Até porque Xangai foi um porto aberto por mais de 200 anos, tendo uma formação social muito sensível a influências externas.
Então o que existe de direita dentro do PCCh está muito em Xangai e eles resistiram bastante a uma política de Covid Zero e o resultado vocês estão vendo. Um espraiamento do Ômicron naquela cidade, apesar de já estar sob controle. Uma face da disputa interna dentro do PCCh, ainda mais com o Congresso vindo.
Então, em uma síntese de dez minutos, pode-se dizer que o PCCh não é um bloco monolítico e é a cabeça de um sistema político altamente sofisticado. Para concluir, Jabbour observa que reduzir essa discussão a fórmulas de ‘ditadura’, ‘democracia’, ‘totalitarismo’, acaba sendo uma forma muito fácil de fugir de se compreender como funciona um sistema político altamente complexo e sofisticado como aquele. “E eu acho que aprender como funciona aquele sistema político é papel de todos os comunistas pelo mundo, aqui no Brasil e em outros países”.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.