O médico sanitarista, Gonzalo Vecina, criticou a ameaça de isolamento dos países africanos em virtude da variante do coronavírus ômicron. Segundo ele, isolar “só irá piorar a situação humanitária do continente”.
Até o momento, cerca de 30 países, incluindo o Brasil, fecharam suas fronteiras para algumas nações africanas por causa da nova variante, principalmente África do Sul, Botsuana, Suazilândia, Lesoto, Namíbia e Zimbábue.
“Quando a gente observa como um vírus como esse se alastra e causa dor, sofrimento e morte, a primeira coisa que a gente pensa é se afastar e afastar tudo isso de nós. Mas essa é uma medida boba e que desequilibra a humanidade”, disse Vecina em entrevista ao portal UOL.
O ex-presidente da Anvisa relembra que foram os pesquisadores sul-africanos os responsáveis por descobrir, realizar os testes e informar a nova variante para o mundo.
A OMS já se manifestou contra a suspensão de voos e outras medidas aplicadas contra o sul da África. A entidade pediu para os países guiarem suas decisões pela ciência, já que as restrições de viagens em relação ao continente apenas reduzem “levemente a expansão da Covid-19”.
“Impedir que pessoas da África circulem pelo mundo é uma medida que certamente irá piorar a situação do mundo todo e condenará a África a mais sofrimento ainda daquele pelo qual ela já foi condenada”, disse a OMS.
Vecina relembrou da possibilidade de a ômicron não ter surgido na África do Sul, já que o coronavírus está em livre circulação em muitos países, inclusive na Europa. Para ele, o país está sendo punido por ter tido uma capacidade de identificar a nova variante.
“Essa variante podia ter vindo da Rússia, dos países da antiga Iugoslávia, porque lá a doença está andando em uma velocidade muito alta, e alguém foi lá para a África do Sul… pode ser que tenha vindo da Europa para a África do Sul, e lá o sistema de vigilância epidemiológica está funcionando muito bem, tem um sistema de sequenciamento de vírus importante. Conseguiram identificar esse novo vírus e foram punidos por terem comunicado ao mundo ‘cuidado, tem uma nova variante, e não sabemos como se comporta'”, afirmou Vecina.
O médico sanitarista defende que o Brasil tome medidas de detecção do novo coronavírus em todas as pessoas que cheguem ao país e se coloquem em quarentena os casos suspeitos como forma de evitar a contaminação pela ômicron.
“Impedir que pessoas cheguem aqui é absolutamente impossível. A circulação de pessoas pelo mundo é uma circulação muito grande e não tem como ser contida dessa forma burocrática que todos esses países estão pensando em fazer”, criticou Vecina.
Vacinação no continente
Com o surgimento da variante Ômicron do Covid-19, a situação pode evidenciar ainda mais problemas na África. O continente tem apenas 6,6% da população com o ciclo vacinal completo e só 9,8% tomaram ao menos uma dose, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) da África, o que preocupa especialistas em saúde pública, pelo risco de a nova versão do vírus se espalhar na região, com celeridade.
“Quando a cobertura vacinal é baixa, menos pessoas estão protegidas, maior é a circulação do vírus na comunidade e maiores são as chances de as pessoas serem infectadas e adoecerem”, explica a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai.
A médica afirma que o surgimento de novas variantes é esperado enquanto o vírus tiver espaço para circular. “Quanto maior é a circulação do vírus, maior é também a chance de uma nova variante aparecer. É muito claro para todo mundo, e isso já foi repetido diversas vezes”, afirma Ballalai. “Na África do Sul, a cobertura vacinal é baixa e a circulação do vírus vem ocorrendo de maneira robusta”, completa.
Na África do Sul, onde a nova variante ômicron foi identificada por cientistas, os totalmente vacinados são 25% entre a população total e 35% entre os adultos.
A Organização Mundial da Saúde tem como meta que todos os países tenham vacinado pelo menos 40% da população até o fim deste ano. Entre os países do continente africano, apenas cinco devem atingir essa cobertura vacinal.