Afinal, o Elias Jabbour ‘passa o pano’ ou não em relação aos ‘problemas da China’ é o tema do Meia Noite em Pequim desta semana da TV Grabois, em que o pesquisador e escritor aborda a suposta ‘visão crítica’ que é cobrada dele por certos círculos conservadores e marxistas acadêmicos, que a priori negam a importância da experiência chinesa de desenvolvimento econômico e social.
Jabbour pondera sobre sua recente participação em fóruns mais conservadores, onde há certa comoção pela ‘defesa que faz da China’, mas observa que, do outro lado do espectro, no campo da esquerda, entre os marxistas acadêmicos, o mesmo fenômeno se repete, agora sob o prisma de quem supostamente tem, ou não tem, ‘visão crítica’ sobre a China.
Eu tenho dito – destaca Jabbour – que não vou fazer a crítica que essas pessoas querem que eu faça, acrescentando que as teses advogadas por esses marxistas acadêmicos “têm muito daquela crítica Otancêntrica, atlanticista” e têm como fundamento “uma determinada caixinha que no fundo é liberal”, com a China sendo vista como “uma coisa nova exótica”, que precisa ser atacada.
Jabbour assinala que todas as realidades do mundo têm contradições e a China não é diferente. “Já tratamos essas contradições várias vezes aqui, nos meus seis livros, os dois últimos com o Alberto Gabriele”. Inclusive – enfatiza – não há como compreender o processo de desenvolvimento econômico e social sem perceber que a contradição é o motor desse processo.
“Então não se percebe que são as imensas contradições sociais acumuladas nos últimos 40 anos que estão movendo o país a uma nova onda de mudanças institucionais voltadas a mudança dos esquemas de propriedade para enfrentar as desigualdades sociais”.
Jabbour enumera algumas dessas desinteressadas ‘críticas’ ao seu esforço como pesquisador para apreender o que há de novo no processo chinês.
Há marxistas acadêmicos que alegam que como pode alguém defender que a China é socialista se não tem nem Estado de Bem-Estar Social. Como se o socialismo tivesse um checklist, e não houvesse importância no fato de um Partido Comunista estar no poder, um partido que controla a propriedade pública dos meios de produção e é capaz de enfrentar grandes questões políticas do seu tempo.
E obviamente a construção de um Estado de Bem-estar Social num país de 1,4 bilhão de habitantes demanda pré-condições que não são fáceis de criar, exigindo um imenso excedente capaz de financiar esse setor improdutivo da economia – educação, saúde, o crescimento espiritual das pessoas.
Quanto ao Tibet: “eu não trago um dado aqui que não seja historicamente comprovado”. O Dalai-Lama era a principal figura de uma teocracia escravista; os servos eram tratados com leis duríssimas caso não cumprissem com as suas obrigações; é fartamente documentada a falta de direitos das mulheres antes da libertação em 59.
Assim como é farta a documentação histórica afirmando que o Tibet é parte da China há 700 anos. Aliás, temos vídeo aqui sobre o Tibet que mostram pessoas mutiladas por castigos aplicados pelo descumprimento de obrigações para como os monges.
Xinjiang é a mesma coisa. A questão é que as pessoas não provam que existe uma opressão implacável à população Uigur, que existe uma política de genocídio, ou seja, há uma redução da população Uigur em relação às outras etnias do país.
Nós trazemos dados, como que Xinjiang tem 100 mil habitantes a mais que a Arábia Saudita. Eu conheço Líbano e conheço Síria. E conheço Xinjiang e eu posso afirmar que Xinjiang tem visivelmente mais mesquitas que na Síria ou Líbano.
Outro questionamento frequente é de que Jabbour ‘passa o pano’ em relação à ‘ditadura na China’. Temos que entrar no objeto e discutir as suas singularidades históricas para depois tirarmos um juízo daquilo, destaca o pesquisador, apontando que não se pode reduzir um país com uma civilização de 5 mil anos e um Estado de 2 mil anos a uma ‘democracia ou ditadura’.
Ainda mais um Estado que remonta a mais de 2 mil anos de burocracia confuciana, então esse Estado Chinês que hoje chamam de autocracia é um estado que tem esquemas políticos altamente sofisticados.
Há também a questão do modelo econômico chinês. Há 40 anos a China está dando certo, a China cresceu e eliminou a pobreza extrema do país, conseguiu criar condições político, jurídico institucionais e financeiras para enfrentar a Covid 19 e ter um número de mortes de 5 mil mortos enquanto nos EUA morreu 1 milhão de pessoas.
Enquanto o Ocidente faz o movimento contrário, nos últimos 40 anos houve uma regressão civilizacional impressionante. Jabbour chama seus contestadores a demonstrarem que o sistema de economia liberal é mais eficiente do que o modelo chinês: os dados não mostram isso, o que eles mostram é que o sistema econômico chinês é superior ao ocidental.
Para concluir, o pesquisador convoca a ter mais humildade ao analisar a experiência chinesa, agir como os jesuítas e buscar um aggiornamento com os chineses. Buscar ensinar muitas coisas aos chineses porque eles precisam da nossa cultura – eles mesmos assumem isso, o processo de abertura demonstra isso. Mas, da mesma forma, nós precisamos entender porque eles dão certo.
Como sublinha Jabbour, a chave do sucesso da humanidade passa por aquela experiência, passa pelo sucesso daquela experiência, passa pelos problemas daquela experiência e “não acredito que uma postura de crítica pela crítica” vá contribuir em nada.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.