Ex-presidente inelegível foi indiciado pela Polícia Federal, em inquérito sobre venda e recompra de presentes recebidos em viagens oficiais
As joias que Bolsonaro surrupiou foram escondidas em diferentes locais, como uma fazenda, a casa de um militar e joalherias no exterior.
A fazenda é de propriedade do ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet. Em um galpão da fazenda, Bolsonaro guardou 175 caixas com presentes que recebeu.
Outro local foi a casa de Mauro Lourena Cid — pai do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, diz reportagem de O Globo.
Segundo Polícia Federal, o general da reserva Lourena Cid escondeu esculturas recebidas pelo então presidente no encerramento do Seminário Empresarial da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira na cidade de Manama, no Reino do Bahrein, em novembro de 2021.
A investigação da PF concluiu que parte das joias foi levada por Lourena Cid para os EUA e ficaram guardadas em lojas em Nova York, Pensilvânia e na Flórida, em endereços onde os assessores de Bolsonaro negociaram essas peças. Os presentes ficaram guardados nesses estabelecimentos enquanto não eram vendidas.
POR QUE NÃO PODERIA FICAR COM AS JOIAS
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se fartou enquanto esteve no poder, além de atacar a democracia e visar instalar uma ditadura. Repetiu com um apetite mais voraz o que fez quando era deputado federal, quando foi acusado de fazer “rachadinha”.
É o caso dos desvios de joias recebidas em missões oficiais quando era presidente da República, quando a investigação da PF (Polícia Federal) descobriu o esquema para amealhar vultosas quantias com a venda dos objetos de alto custo e luxo.
Essas joias foram presentes recebidos por Bolsonaro, em viagens oficiais, e mostrou que alguns dos itens foram vendidos e recomprados pelos principais aliados dele, a fim de tentar burlar as investigações da PF, agora conclusas.
O inquérito da PF apontou que os montantes recebidos ingressaram no patrimônio pessoal do ex-presidente. Por lei, no entanto, esses objetos deveriam ter sido incorporados ao acervo da Presidência da República, como bens públicos, como de fato eram, e são.
Ao longo da apuração da PF, a defesa de Bolsonaro chegou a afirmar que ele “agiu dentro da lei” e “declarou oficialmente os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens”.
Esses itens, portanto, deveriam compor acervo privado dele, sendo levados por ele, portanto, ao fim do mandato presidencial. Em um dos textos assinados pelos advogados, são citados dispositivos legais que sustentariam a postura do ex-presidente sobre dos itens recebidos.
A defesa de Bolsonaro foi desmontada, a partir de fatos e de decisões TCU (Tribunal de Contas da União) e do Ministério Público de Contas, órgão de controle externo do TCU.
PRESENTES RECEBIDOS POR PRESIDENTES
Uma das normas mencionadas é acórdão do TCU, de 2016, que regulamentou o recebimento de presentes por presidentes.
Ao votar na ocasião, o ministro Walton Alencar, relator do caso, usou justamente situação que envolvia pedras preciosas como exemplo.
“Imagine-se, a propósito, a situação de um chefe de governo presentear o presidente da República do Brasil com uma grande esmeralda de valor inestimável, ou um quadro valioso. Não é razoável pretender que, a partir do título da cerimônia, os presentes, valiosos ou não, possam incorporar-se ao patrimônio privado do presidente da República, uma vez que ele os recebe nesta pública qualidade”, escreveu.
O subprocurador-geral do Ministério Público do TCU, Lucas Furtado, também discordou da tese encampada por Bolsonaro.
Em declaração para a jornalista Bela Megale, colunista de O Globo, ele afirmou que, caso as joias fossem mesmo para uso pessoal ou personalíssimo, “deveria ter sido pago imposto” na chegada ao Brasil, o que não ocorreu. “Isso vale para qualquer mortal brasileiro”, criticou.
XEQUE-MATE
Na ocasião, o presidente do TCU, Bruno Dantas afirmou que há alguns requisitos a serem preenchidos para item ser considerado “personalíssimo” pelo presidente:
“De acordo com a jurisprudência desta Corte de Contas desde 2016, para que um presente possa ser incorporado ao patrimônio pessoal da autoridade é necessário atender a um binômio: uso personalíssimo, como uma camisa de futebol, e um baixo valor monetário”, esclareceu.
COMERCIALIZAÇÃO
De acordo com as investigações, auxiliares de Bolsonaro venderam ou tentaram comercializar, com o conhecimento e consentimento dele, ao menos 4 ou 5 presentes de alto valor recebidos por ele em viagens oficiais ao exterior. Dois foram entregues pela Arábia Saudita e dois pelo Bahrein.
No inquérito, a PF aponta a existência de organização criminosa no entorno do ex-presidente, que atuou para desviar joias, relógios, esculturas e outros itens de luxo e alto valor pecuniário recebidos por ele como representante do Estado brasileiro.
Entre os presentes negociados estão relógios das marcas Rolex e Patek Philippe, para a empresa Precision Watches, no valor total de US$ 68 mil, o que corresponde na cotação da época a R$ 346.983,60.
Nesse caso, o ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, esteve pessoalmente em loja em Willow Grove para vender a peça. Foto do comprovante de depósito foi armazenada no celular do oficial e outra imagem mostra o pai de Mauro Cid, Lourena Cid, refletido no espelho tirando foto de outro item.
Indiciado pela PF, Bolsonaro optou por ficar em silêncio quando foi chamado a depor. Em outras ocasiões, ele negou ter ordenado a venda de joias, disse que não pediu ou recebeu presentes e reiterou que não há “qualquer ilegalidade”.
M. V.