“Somos filhas e filhos, netas e netos, bisnetas e bisnetos dos migrantes e sobreviventes dos discursos de ódio contra os estrangeiros, contra quem é diferente, contra o outro; discursos que geraram as condições para os pogroms, para o surgimento do fascismo e do nazismo. Não podemos esquecer”, afirma o documento que alerta contra a “regressão autoritária”, firmado por 300 judeus e judias chilenos
O integrante da comunidade judaica chilena, Claudio Mandler Drinberg, que firmou o manifesto de judeus a favor do candidato da coalizão Aprovo Dignidade, Gabriel Boric, concedeu entrevista exclusiva à Hora do Povo.
Boa Leitura
Claudio, você que esteve entre os primeiros a assinar o manifesto “Declaração de judeus e judias em apoio a Gabriel Boric e contra a regressão autoritária”, como está vendo o perigo representado pela candidatura Kast?
Consideramos que o candidato de ultra-direita daqui é um perigo para a democracia, primeiramente porque apoiou a ditadura pinochetista e até hoje apoia o que ali aconteceu. Defende que os autores que estão presos por crimes de lesa humanidade durante a ditadura não são criminosos.
E esse é um exemplo do “respeito” que tem à democracia. Ele também tem um pensamento filo-fascista em outros âmbitos, com propostas que atentam contra os direitos humanos, por exemplo, a sua proposta de governo de fechar o Instituto de Direitos Humanos aqui no Chile.
Há ainda propostas que atentam contra a cultura, que atuam na desumanização do outro, como no que diz respeito aos imigrantes, os binários sexuais, entre outras. Diante de tudo isso consideramos que há um perigo muito grande para a nossa democracia.
Hora do Povo – O que, na sua opinião se deveria esperar dos integrantes da comunidade judaica nas eleições de amanhã?
Como pertencentes à comunidade judaica no Chile, nós pensamos que justamente temos a enorme responsabilidade de atuar para que o terror que se deu nos anos 1930 e 1940, na Europa, não volte a acontecer, não apenas conosco, mas também com todos os diferentes daquilo que os fascistas consideram a “norma”, o que é algo muito diverso do que existe, de fato, no interior das sociedades.
Como pertencentes à comunidade judaica do Chile, nós pensamos que justamente temos a enorme responsabilidade de atuar para que o terror que se deu nos anos 1930 e 1940, na Europa, não volte a acontecer
Acredito que o perigo não é somente à democracia chilena, mas a todas as minorias que vivem nela.
HP – E essa descoberta de que o pai de Kast participou das agressões perpetradas pela Wehrmacht e foi filiado ao partido nazista?
Seu pai era membro do partido nazista na Alemanha e serviu na Wehrmacht, lutando em várias frentes durante a Segunda Guerra Mundial e escapou para o Chile por vias muito turvas. São coisas que o candidato Kast tem negado, mas foi pego na mentira. Há algumas semanas foi comprovado que seu pai sim era do partido nacional-socialista, como se chamava o partido nazista alemão.
Quero deixar claro que pelo fato de um pai defender o nazismo, seu filho não tem porque fazê-lo, acontece que Kast professa a mesma ideologia. Escreve com a mesma forma de pensar.
HP – Ainda assim, uma parcela da comunidade judaica local se mostra disposta a votar em Kast…
Lamentamos que uma parcela da comunidade judaica chilena, assim como acontece com comunidades judaicas em muitas outras partes do mundo, entende que a crítica a Israel, a suas políticas nos territórios palestinos ocupados, ou à própria ocupação, como uma forma de antissemitismo.
É também uma lástima que, dessa forma, parcela da direção oficial desta comunidade denota Gabriel Boric como antissemita, porque seria muito “antiisraelense”, por haver sempre se posicionado contra as políticas israelenses nos territórios ocupados, assim como à própria ocupação e também à repressão que sofrem os palestinos nestes territórios ou ainda contra a discriminação sofrida pelos palestinos dentro de Israel, onde são tratados como cidadãos de segunda classe.
Por essa razão creem e propalam que Gabriel Boric seria antissemita. Essa concepção, infelizmente chega a tal ponto que parte importante da comunidade judaica de Chile está disposta e conclama as pessoas a votarem por Antonio Kast, que tem uma ideologia de extrema direita que, como dissemos, esteve a favor da ditadura militar no Chile e ainda é descendente de nazistas.
Isso para mim é incrível e não posso aceitar que essa parcela da comunidade judaica do Chile vá votar por ele.
Segue a ítegra do manifesto de judeus e judias em apoio a Boric:
Declaração de judias e judeus em apoio a Gabriel Boric e contra uma regressão autoritária
Como judías e judeus chilenos com os anelos de uma sociedade mais justa, onde se prime pelo respeito aos direitos humanos e se construam as condições para vida digna para todas e todos, cuidando da biodiversidade que possibilita a vida, apoiamos firmemente a candidatura presidencial de Gabriel Boric e chamamos a todas e todos a votar nele no próximo dia 19 de dezembro de 2021.
Consideramos que o candidato da extrema direita, José Antonio Kast, constitui um grave perigo para o futuro da democracia, da cultura, da justiça, do respeito à dignidade de todas e todos, da paz social.
A história emblemática de exílios e dores do povo judeu, nos impulsiona e obriga a ter uma memória viva e ativa e enfrentar decisivamente os discursos de estigmatização e de desumanização que esse candidato propugna.
Somos filhas (os), netas (os), bisnetas (os) de migrantes e de sobreviventes dos discursos de ódio contra os estrangeiros, contra quem é diferente, contra a outridade; discursos que geraran as condições para os pogromos, para o surgimento do fascismo e do nazismo. Não podemos ouvidar e menos ainda, ingenuamente, aderir ou apoyar esas prácticas. Tampouco podemos permanecer indiferentes ante quem promo no Chile o ódio e o medo, a discriminação dos migrantes e uma “ordem social” que implicará em um grave retrocesso a respeito dos direitos da infância, à equidade de gênero, e às dissidências. Nossa história nos interpela a fazer frente a toda regressão autoritária com componentes fascistas.
Chamamos aos judeus e judias do Chile a não votar em um representante das ideias que formaram o cimento da violação sistemática dos direitos humanos e dos brutais crimes de lesa humanidade, que foram pilares do terrorismo de Estado em nosso país.
Chamamos aos judeus e judias do Chile a não votar pelo candidato que tem mentido sobre la militância nazi de seu pai, Michael Kast, que ingressou na sua juventude no partido nazi (1942), combateu na Wehrmacht n frente francesa, na União Soviética e na Itália e prisioneiro das tropas aliadas escapou e imigrou ao Chile. Ocandidato que não tem enfrentado o papel de sua família nas desaparições e execuções do Paine, no ano de 1973, despois do golpe. O candidato que tem minimizado os crímes de Miguel Krassnoff, um dos piores homicidas da dictadura -que torturou e assassinou a Diana Aron Svigilsky, por suas ideias e por ser judia.
Como judias e judeus chilenos, e como integrantes do Grupo Judaico Diana Aron (AJDA), é que aderimos aos princípios éticos do judaísmo, como à ideia de Tikún Olám[Concerto do Mundo]: a crença de que devemos nos comprometer a reparar e participar na construção de um mundo no qual se respeite a diversidade humana, onde todos possamos conviver considerando as crenças e opções de vida de cada um, chamamos a construir pontes de raternidade, sem ódios nem medos. Judias e judeus do Chile, com a memória viva e ativa, contribuamos com a esperança para construir um país para todas e todos: votemos neste 19 de dezembro em Gabriel Boric