O senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE) afirmou que, após um mês de funcionamento da CPI da Covid, já é possível afirmar que haverá sugestões de indiciamentos de pessoas por sua atuação na gestão da pandemia.
“A CPI não é uma panaceia, não é a ‘cloroquina’, o Congresso não vai resolver todos os males, mas a gente vai conseguir botar luz em muita coisa, vai mostrar muita coisa errada que aconteceu. E tudo aponta no final das contas por um jeito de conduzir o Brasil que é do Jair Bolsonaro”, disse o senador em entrevista à agência Reuters.
Para o líder do Cidadania no Senado, ainda é “precoce” falar em indiciamento do presidente da República neste momento ou definir tipos penais, mas já há indicações que apontam uma tendência nessa linha.
Alessandro Vieira avalia que, pelos dados e depoimentos já colhidos, já é possível afirmar preliminarmente a ocorrência de improbidade administrativa e prevaricação, a exemplo dos atrasos do governo federal em negociar a compra de vacinas, mas é possível que se chegue mais longe.
“A priori você vê por parte do governo, para não fulanizar, você tem no mínimo prevaricação e improbidade administrativa, e isso pode avançar para crimes contra a saúde pública, crime de epidemia, que é crime de facilitar ou difundir uma pandemia, uma epidemia no seu país”, explicou.
O parlamentar comentou que, em seu depoimento, o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tentou tirar Bolsonaro do centro de decisão, mas há sinais claros de negligência por parte do governo nas negociações de compra de vacinas da Pfizer e também nas conversas com o Instituto Butantan – tanto para a aquisição da CoronaVac, quanto no caso em que a instituição pediu apoio financeiro para a reforma de uma fábrica para a produção de vacinas.
“O governo claramente negligenciou a negociação com a Pfizer, isso é documentado, você tem o primeiro contato da Pfizer em março de 2020, a primeira contraproposta brasileira em dezembro de 2020”, comentou.
“No caso do Butantan, mais grave ainda. Você tem documentadas as ofertas de quantidade expressiva de doses de vacinas, você tem os pedidos de apoio para investimentos que historicamente sempre foram feitos (ao Butantan) e que foram feitos para a AstraZeneca, mas foram negados para o Butantan”, citou.
O senador lembrou ainda as decisões tomadas pelo governo em questões como a definição de orçamento para a Saúde e ajuda a empresas ou pessoas em situação de vulnerabilidade.
“Temos alguns lapsos que são muito claros. O intervalo entre dezembro até março, que a população inteira ficou sem auxílio emergencial, isso naturalmente forçou as pessoas a irem para a rua. E essa foi uma decisão do governo. O Congresso queria fazer e o governo protelou”, assinalou o líder do Cidadania.
O período de ausência do auxílio mencionado por Alessandro Vieira coincide justamente com a fase de recrudescimento da pandemia no país.
Em uma entrevista à coluna de Chico Alves, na “Folha de S.Paulo”, o parlamentar também criticou a desinformação e as teses sem base científica que são defendidas na CPI, não apenas por representantes do governo convocados a depor como testemunhas, mas também pelos senadores que apoiam o governo.
“O senador Heinze faz esse papel de uma forma muito evidente, ele insiste em estudos e casos que a ciência já avaliou e descartou, mas ele persiste baseado sempre nas mesmas narrativas das bolhas de desinformação da internet. Tem alguns outros que vou preferir não citar nomes, mas eles são óbvios, que fazem uso da desinformação de uma forma intencional, deliberada. São pessoas que sabem que estão apresentando vídeos fora de contexto ou dados que não correspondem à verdade, isso para tentar confundir o jogo e proteger o presidente da República”, observou.
Vieira também comentou a expectativa em torno do depoimento da médica Nise Yamaguchi, marcado para esta terça-feira (1° de junho).
“Não temos como fugir desse tipo de fala. Não seria um processo transparente e democrático se a gente simplesmente desse voz apenas àqueles que defendem a ciência estabelecida. Literalmente, essas pessoas representam determinados setores da sociedade. Eu acho estrategicamente mais oportuno abrir o espaço de fala, para que seja confrontada e esmiuçada”, disse.
Segundo depoentes anteriores, a médica teria sugerido ao governo mudar a bula da hidroxicloroquina para incluir a indicação para tratamento da Covid-19. Nise é defensora do chamado “tratamento precoce”, que cientistas renomados já disseram que não existe.
O senador argumentou que, por outro lado, o depoimento é uma oportunidade para esclarecer quem é que paga o deslocamento dessas pessoas, as reuniões, as hospedagens, quem ordena, quantas vezes e de que forma esse tipo de sugestão chegou ao presidente da República.
O senador, que foi delegado da Polícia Civil de Sergipe, comentou ainda o papel que tem a profusão de fake news envolvendo o combate à pandemia.
“Talvez a gente esteja lidando com gente doida, mas besta, não”, define o senador. “Eles tentam a todo custo tirar o foco e arregimentar um apoio grande na classe médica, misturando o desvio de uma política pública sem base na ciência com a autonomia profissional do médico”, advertiu.
Alessandro Vieira frisou que não está em debate a autonomia que o médico tem de receitar. “Eu estou discutindo o cara gastar milhões em sentido contrário ao consenso científico, retardar ou não realizar ações que o consenso científico indica. Porque comprar vacina para um vírus é consenso há uns cem anos, desde que inventaram vacina. Não é uma novidade”, ressaltou.
“A gente viu claramente o Bolsonaro e seus serviçais mais fiéis boicotando, retardando uma contratação de vacinas que garantiria o dobro de pessoas vacinadas no final do primeiro trimestre de 2021. A quantidade de vacinas da CoronaVac, mais as doses da Pfizer dariam 64,5 milhões de doses. E a gente não teve. Porque ele não quis. É surreal”, acrescentou.