Proposta entregue pelas centrais deixou em 2º plano os direitos extirpados por Bolsonaro e se concentra no afastamento da presença do Estado nas relações sindicais
Está marcado. Dia 3 de julho, as centrais sindicais, representantes do empresariado e do governo federal voltam a se reunir com objetivo de discutir as propostas apresentadas pelas centrais de mudanças na estrutura sindical brasileira.
No dia 23 de maio, as entidades entregaram ao governo e aos empresários – na primeira reunião do Grupo de Trabalho Tripartite sobre Relações Trabalhistas, instituído pelo presidente Lula – um conjunto de propostas para uma polêmica reforma sindical. As propostas apresentadas se mantêm na mesma direção das que, quando se tornaram públicas, em fevereiro passado, foram muito criticadas por centrais e confederações que estavam excluídas das discussões.
A proposta entregue pelas centrais, nesta primeira reunião do grupo de trabalho, deixou em 2º plano os direitos dos trabalhadores extirpados por Bolsonaro, numa reviravolta em relação à ideia original, e se concentra no afastamento da presença do Estado nas relações sindicais.
Para refrescar a memória, a dupla Temer /Bolsonaro mudou mais de 100 artigos da CLT, tirando direitos dos trabalhadores tais como a instituição do trabalho intermitente, em que o trabalhador fica à disposição do patrão, sendo que só recebe pelas horas trabalhadas, jornada de doze horas, almoço de meia hora, a terceirização da atividade-fim, entre outras barbaridades.
O golpe principal da dupla Temer/Bolsonaro foi no terreno da estrutura sindical e na rede estatal de proteção aos direitos trabalhistas. Temer acabou com a contribuição sindical (desconto de um dia de trabalho por ano de cada trabalhador). Segundo registros do Ministério do Trabalho, a arrecadação das entidades sindicais caiu 90% e o número de trabalhadores sindicalizados caiu de 18 milhões para 12 milhões.
“Temos que bater em pontos que nos deem a possibilidade de melhorar a situação, e não colocar em risco as garantias que a gente tem hoje”. (Moacyr, presidente da Nova Central)
A reforma do Bolsonaro obstruiu o acesso à Justiça Trabalhista desde que o trabalhador passou a ter que arcar com as custas do processo, no caso de ter sido rejeitada sua reclamação. Já havia fechado o Ministério do Trabalho (MT). Estabeleceu que o acordo individual está acima do acordo coletivo, acabou com a obrigatoriedade das homologações serem feitas com a presença do sindicato, acabou com a ultratividade, que garante a validade do acordo anterior enquanto não se chega a um novo acordo.
Moacyr Auersvald, presidente da Nova Central, disse à Revista Brasil de Fato que “temos que bater em pontos que nos deem a possibilidade de melhorar a situação, e não colocar em risco as garantias que a gente tem hoje”. Para Moacyr, “nessas reformas a gente tem um certo receio porque o presidente Lula não tem maioria dentro do Congresso hoje. A gente não sabe como entram e como saem as coisas”, declarou. O presidente da Nova Central considera o terreno atual inseguro para que as centrais se lancem a esse tipo de iniciativa.
Adilson Araújo, presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), alertou, no jornal da entidade, “que é preciso corrigir o grave desequilíbrio entre o capital e o trabalho trazido pela Lei 13.467, de 2017, da reforma trabalhista”. Adilson enfatizou ainda que “isso só será possível com a revisão de pontos que seguem impondo dificuldades para a negociação coletiva a exemplo do fim da ultratividade, assim como o pleno direito do custeio material das entidades sindicais”.
Na campanha eleitoral, a primeira manifestação de Lula foi pela revogação pura e simples da reforma trabalhista, iniciada por Temer e feita por Bolsonaro. A ideia evoluiu para constituição de um grupo de trabalho, tripartite, que estabelecesse consensos sobre a questão, para que o governo encaminhasse ao Congresso um projeto de lei.
“Menos Estado regulando como a negociação acontece”, “como o sindicato se organiza”, e “mais autonomia para que os trabalhadores e as empresas se organizem para fazer o processo de negociação”. (Assessoria das centrais)
Clemente, assessor do Fórum das Centrais, articulador e escriba do projeto, em palestra no Rio Grande do Sul, definiu de outra forma a proposta: “Menos Estado regulando como a negociação acontece”, “como o sindicato se organiza”, e “mais autonomia para que os trabalhadores e as empresas se organizem para fazer o processo de negociação” e “organizem o sistema de negociação com menor interferência do Estado”.
É tudo o que a maioria do movimento sindical brasileiro receia. Crescidos e educados na cartilha Getulista, os sindicatos entram na negociação estribados na CLT e na Justiça do Trabalho. Os direitos conquistados são garantidos pela vigilância do sindicato (que, durante quase 100 anos, teve a contribuição sindical recolhida pelo Estado), do Ministério Público do Trabalho, dos auditores fiscais do Ministério do Trabalho. A unicidade sindical, garantida em lei, atrai o trabalhador para o sindicato e determina que os benefícios do acordo se estendam a toda categoria. O sindicato ainda tem o apoio de federações e confederações nas negociações.
Assim é o sindicalismo brasileiro de raiz, diferente do sindicalismo da Alemanha e da Inglaterra, admirado por parte de nossa elite sindical. O Brasil é um país dependente, explorado pelos monopólios estrangeiros e rentistas. O Estado Nacional tem sido, na maioria das vezes, uma barreira aos predadores. Tudo isso ajuda que o desequilíbrio capital x trabalho seja menos acentuado. Além do que, essa conversa de Estado mínimo não é bom nem para o empresário nacional e muito menos para o trabalhador.
A 1ª versão do projeto, maquinado em janeiro – intitulado “Projeto de fortalecimento da negociação coletiva” e com subtítulo “Diretrizes e estratégia para a atualização do sistema de relações do trabalho e do sistema sindical” –, foi articulada por três centrais, a CUT, a Força Sindical e a UGT, sem a devida discussão com as restantes. Essa 1ª versão era mais ampla, mais definida e mais sincera que a atual (que é mais genérica, mais resumida e mais enrustida). Deixava claro que o mais significativo era tirar o Estado, a Justiça do Trabalho e o Ministério do Trabalho da jogada, substituindo-os por um conselho de autorregulação.
Em segundo lugar, colocava as centrais no centro das negociações, no lugar dos sindicatos. Por último, ao estabelecer índices de representatividade para o sindicato poder falar em nome da categoria, instalaria a concorrência em lugar da solidariedade e da unidade. Sem falar na tentativa de enquadrar as confederações e federações para serem absorvidas no corpo das centrais.
A primeira edição do projeto exclui o Estado em linguagem complicada e propõe a “autonomia para organização dos trabalhadores (e) das empresas do sistema de relações de trabalho, sem interferência do Estado”. A seguir fala na “autorregulamentação para definir as regras e a forma de funcionamento do sistema de relações do trabalho entre as partes interessadas”.
A centralidade nas negociações das centrais se manifesta assim: “Prevalência da convenção nacional/setorial sobre acordos por empresa” ou “coordenação entre os níveis de negociação; nacional, setorial, por empresa”. Como também… “Comando (nacional ou setorial ou regional – articulação política formalizada para a negociação coletiva, mas sem caráter de agregação formal”.
A janela fica aberta para o pluralismo sindical europeu na questão do índice necessário para o sindicato ser sindicato: “São atribuições do Conselho de Autorregulação: – Aferir a representatividade das entidades”.
O fim das federações e confederações como entidades autônomas é também sugerido: “Federações e confederações, mantidas como parte da estrutura sindical no período de transição de 10 anos, tendo critério de agregação e de mensuração de representatividade e de representação” ou “quando fizer parte da organização de uma central sindical, sua existência e funcionamento depende da forma autônoma de organização da central”.
Flagrante
Quando o documento veio à tona, através da denúncia do presidente da Nova Central, Moacyr Auersvald, em entrevista ao HP, foi uma grita geral, especialmente das confederações.
O repúdio dos marítimos
A nota da Conttmaf, (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Marítimos e Fluviais), presidida pelo Comandante Carlos Muller, vice-presidente da CTB, fez uma severa crítica. “Um projeto elaborado pela alta direção de três centrais sindicais, que foi apresentado às demais coirmãs e finalmente chegou ao conhecimento dos sindicatos, propõe significativas alterações na atual estrutura de organização sindical em nosso País sem debate efetivo com a base sindical. O modelo sugerido nesse projeto, em vez de fortalecer os sindicatos e o sistema confederativo, busca dar poder absoluto para as centrais sindicais e estabelecer protagonismo apenas para três delas, disse o Comandante.
Nova Central, Pública e CSB fizeram manifesto conjunto
“Um grupo formado pelas três centrais sindicais com maior número de representados no Brasil (CUT, Força Sindical e UGT) apresentou um projeto de renovação do sindicalismo brasileiro, com um texto criado a portas fechadas e sem a participação do sistema confederativo. Um formato excludente, que apenas as beneficia, em uma verdadeira busca por poder, e que foca na representação por volume de trabalhadores e trabalhadoras, ferindo um princípio básico do sindicalismo, a valorização e autonomia dos sindicatos de base”.
Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB)
O documento trazido ao conhecimento da Confederação, dentre outros problemas, caso se consolide, reduzirá o papel das entidades sindicais reconhecidas pelo art. 8º da Constituição Federal a meros agentes das Centrais Sindicais, invertendo o papel das entidades e aniquilando a capacidade dos sindicatos de atenderem às demandas dos trabalhadores e trabalhadoras da base.
As pegadas
Na 2ª versão, em “objetivos do projeto”, aparece o trecho “Autonomia para regular e operar o sistema de relações do trabalho Conselho Nacional de Relações de Trabalho, definido em lei e constituído por duas Câmaras: o Câmaras de Autorregulação Sindical dos Trabalhadores o Câmaras de Autorregulação Sindical Empresaria” e “Mecanismos de solução de conflito (mediação >> arbitragem”.
Também na versão enrustida, a janela para o pluralismo sindical europeu fica aberta. “Prerrogativas sindicais” (direito de representar a categoria) tem que ter índices de “representatividade e densidade”.
O Ministro do salário mínimo
A proposta vai na mesma direção da PEC 369/2005, coordenada por Luiz Marinho, então presidente da CUT. A PEC dividiu o movimento sindical que apoiava Lula, num momento, como hoje, decisivo. Marinho, ministro do Trabalho, deixou o projeto de lado e virou o ministro do salário mínimo.
CARLOS PEREIRA