Qual é o status do marxismo na China é a pergunta que o pesquisador e escritor Elias Jabbour responde no Meia Noite em Pequim, da TV Grabois, desta semana.
Questão sobre a qual, como ele destaca, busca falar sem se referenciar muito no que o governo chinês ou o Partido Comunista da China dizem.
O marxismo – acrescenta Jabbour – é uma ciência para a compreensão da realidade, um guia prático, uma postura política diante da realidade.
Então a pergunta que se deve fazer é como eles conseguiram: vem a Revolução Russa de 1917, em 1919 o Manifesto Comunista é traduzido para o Mandarim, em 1921 é fundado o Partido Comunista e, em 1949, 28 anos depois, os comunistas chegam ao poder no país mais populoso do mundo.
É aí que mora a raiz da questão sobre o status do marxismo na China, sublinha o pesquisador, que enumera as idas e vindas desse processo.
Os chineses – aponta – não tinham outro jeito senão importar a experiência da Revolução Russa, de uma revolução proletária, isso levou a erros, ao Massacre de Xangai, e a crises sucessivas no Partido Comunista chinês.
Até que em 1935 eles encontram um caminho, que passa por uma luta interna dentro do Partido Comunista, a ala liderada por Mao Tse Tung, e apoiada por Deng Xiaoping e Chu Enlai, vence.
Mao percebe que a história chinesa, as revoluções na China, as mudanças de dinastia, eram possíveis graças a rebeliões camponesas contra dinastias que se tornaram corruptas e incapazes de entregar aos camponeses as obras públicas para conter enchentes.
Os camponeses chineses tinham um alto traço taoísta, de rebeldia, diferentemente, por exemplo, dos camponeses russos. Essa visão de Mao, ao ganhar o Partido, é uma forma concreta de casar o marxismo enquanto uma teoria universal, como forma de explicar o particular e se adaptar ao particular.
A utilização correta de categorias e conceitos do marxismo entrega sim a possibilidade de soluções para problemas da realidade: como fazer a revolução num país camponês.
A que se soma a capacidade dos chineses de terem cabeça própria, visão própria, de transformar o marxismo em algo chinês.
Em um artigo escrito em 2006, lembra Jabbour, ‘Considerações Gerais sobre o Marxismo na Ásia’, ele já comparara como o marxismo consegue ter muita força na China – o budismo nasce na Índia, chega ao Altiplano Tibetano, mas quando desce acaba se misturando com filosofias de cunho materialista, como o confucionismo e o taoísmo, que são espiritualistas mas não são teístas, e acaba virando uma ‘bagunça’ no bom sentido da palavra.
É essa base filosófica materialista dialética rústica chinesa – sublinha o pesquisador – que propicia uma aceitação do marxismo muito maior pelos chineses do que na Índia, por exemplo.
O marxismo acaba se tornando parte fundamental do pensamento nacional chinês. Porque foi o marxismo que acabou entregando aos chineses a possibilidade de se encerrar o século das humilhações.
O socialismo se coloca como solução à questão do desenvolvimento, que o capitalismo negou à China –Chiang Kai Shek não teve a grandeza de um Getúlio Vargas, de um Bismarck para trazer a modernidade capitalista à China – quem acabou tendo de cumprir esse papel foi o Partido Comunista, destaca Jabbour.
O Partido Comunista da China mira estrategicamente no socialismo, no comunismo, enquanto no imediato ele é o grande partido da nação.
O marxismo não nasceu para isso, Marx queria bombar na Inglaterra, na França, na Alemanha, e acabou bombando na Rússia, onde 90% da população era de camponeses analfabetos, e na China.
Então o marxismo acabou se transformando num corpo teórico e ideológico de suporte a revoluções nacionais na periferia do capitalismo. Esse é um ponto de ruptura entre o marxismo acadêmico ocidental e o marxismo revolucionário oriental.
É claro que o status do marxismo na China obedece a questões de ordem histórica, o marxismo adaptado à realidade chinesa conseguiu entregar uma revolução em 1949, conseguiu entregar uma dignidade nacional para o país, conseguiu entregar a possibilidade de desenvolver e planificar uma alta taxa de desenvolvimento, tudo isso foi obra dessa força política inspirada em Marx e Lenin, que é o Partido Comunista da China.
O próprio Xi Jinping – ressalta o pesquisador – coloca que não existiria a China moderna sem o marxismo, sem o socialismo.
Mas tem havido adaptações a cada época histórica, em que a contradição principal, ou o aspecto principal dela vai mudando, e há o processo histórico da Revolução Chinesa, que está acontecendo ainda.
É por isso que os chineses conseguem ter uma capacidade muito grande de enfrentar seus desafios, porque eles captam a essência do marxismo, que é dialética, conseguem aplicá-lo à busca de soluções de problemas reais, e não de problemas abstratos, como fazem os marxistas acadêmicos no Ocidente.
O que explica o sucesso da revolução chinesa. Cá entre nós, a manutenção do socialismo na China pós-contrarrevolução de 1989 é um grande passo para manter acesa no mundo a esperança no socialismo, conclui Jabbour.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.