O Ministério Público de São Paulo pediu nesta terça-feira (28) a internação provisória do adolescente autor do ataque que deixou uma pessoa morta em uma escola na Zona Oeste da capital na segunda-feira (27) e também solicitou que o jovem passe urgentemente por uma avaliação psiquiátrica.
“Trata-se de fato extrema e concretamente grave, praticado mediante violência real contra diversas pessoas, e de indiscutível repercussão social”, justificou a Promotoria de Justiça da Infância e Juventude.
O Ministério Público ainda pontuou que “a conduta do adolescente colocou em risco toda a coletividade de alunos e funcionários que estava presente na escola no momento do ataque, somente não tendo alcançado proporções ainda maiores porque foi impedido de prosseguir com seus atos”.
As “circunstâncias evidenciam a impossibilidade, por ora, do jovem permanecer em convívio social”, completou a Promotoria.
O jovem foi apreendido em flagrante na segunda e encaminhado para o 34° Distrito Policial (DP), na Vila Sônia, onde prestou depoimento. Pouco depois das 18h, o adolescente foi levado para o Instituto Médico Legal, na Vila Leopoldina, e foi transferido em seguida para o centro provisório da Fundação Casa, no Brás.
ESTUDANTES REALIZAM VÍGILIA
Estudantes, professores e lideranças estudantis realizaram uma vigília na porta da Escola Estadual Thomazia Montoro na manhã desta terça-feira (28). A professora Elizabeth Tenreiro, de 71, morta após ser esfaqueada pelo estudante, foi homenageada.
“Professora Elizabeth, presente”, afirmaram os estudantes durante o ato.
O presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES-SP), Lucca Gidra, defendeu durante a vigília maior atenção do Estado com os adolescentes. Segundo ele, os estudantes sofreram muito com a pandemia e precisam de acompanhamento psicológico, assim como melhores condições nas escolas.
“Essas coisas estão na internet, estão no dia-a-dia dos estudantes. Tem uma ausência do Estado no acompanhamento à vida emocional e sócio-afetiva dos estudantes. O Estado precisa acompanhar, precisa fornecer condições para impedirmos esse tipo de violência”, disse Lucca.
POLÍCIA HAVIA SIDO ALERTADA
A polícia foi alertada sobre o “comportamento suspeito nas redes sociais” do aluno de 13 anos que realizou o ataque na EE Thomazia Montoro. O alerta foi feito em 28 de fevereiro por uma funcionária da Escola Estadual José Roberto Pacheco, em Taboão da Serra, onde o jovem estudava antes de ser transferido para o colégio onde realizou o ataque a faca.
No boletim de ocorrência registrado no 1° DP de Taboão da Serra, a funcionária da escola relata que o estudante publicou “vídeos comprometedores”, entre eles gravações “portando arma de fogo, simulando ataques violentos”.
Também afirma que o jovem “encaminhou mensagens e fotos de armas aos demais alunos por WhatsApp”, e que alguns pais estavam “se sentindo acuados e amedrontados com tais mensagens e fotos”. A polícia, na ocasião, determinou que os pais do aluno fossem intimados e deu prazo de seis meses para realizar investigações.
No início da noite da segunda, o delegado titular do 34º DP, Marcos Vinicius Reis, disse que a polícia encontrou na casa do adolescente bilhetes mostrando o planejamento prévio do ataque. No depoimento aos investigadores, o adolescente foi “frio”, segundo o delegado, e não demonstrou emoção.
Também foram apreendidas na casa dele máscaras, uma arma de airsoft e as anotações premeditando o ataque desta segunda-feira. A polícia planeja ouvir mais pessoas e analisar publicações nas redes sociais para buscar entender as motivações e se alguém teria auxiliado ou incentivado o jovem a cometer o crime.
“A gente tem que fazer ainda um intenso trabalho também de redes sociais, verificar a questão de eventual apoio, de eventual instigação (ao crime, por parte de outras pessoas). O que eu posso adiantar é que ele passou todas as informações de maneira pormenorizada e admitiu os fatos. Ele foi bem frio, não demonstrou muita emoção e confessou na presença da advogada, na presença dos pais, que cometeu o ato”, disse o delegado.
TWITTER “NOSSO CRIA”
Na noite anterior ao ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, o autor do ataque fez uma pergunta na sua conta pessoal do Twitter: “Vcs acham que eu faço amanhã e vê o que vai acontecer sem um armamento decente ou não?”. Um usuário anônimo, dedicado a publicar vídeos e fotos homenageando os autores de crimes como os massacres de Suzano e de Aracruz perguntou: “Como vc vai fazer isso?”. As informações constam no portal TAB do UOL.
Horas depois, o autor publicou: “Irá acontecer hoje esperei por esse momento a vida inteira (…) tomara que consiga alguma kill”. Por volta das 7h20, o adolescente atravessou os portões da escola portando uma tesoura e uma faca. O rosto estava parcialmente coberto por uma máscara de caveira, conhecida como “siege mask”, a mesma máscara usada por autores de ataques em escolas no mundo inteiro. Ele matou a professora e deixou outras cinco pessoas feridas. Duas professoras o imobilizaram.
Nas redes sociais, o mesmo perfil que estava interagindo com o assassino, publicou, 20 minutos após o ataque: “Privar a conta aqui por coisas novas estão por vim [sic] provavelmente”.
Menos de duas horas depois que o ataque foi noticiado, o usuário que estava interagindo com o adolescente publicou um vídeo homenageando o crime, usando um vídeo do autor do ataque sendo levado até o carro de polícia, junto com fotos, usando a máscara de caveira. Antes de a imprensa noticiar detalhes do crime, o perfil já estava compartilhando nomes e fotos do autor do atentado.
O assassino já tinha histórico de violência. Ele que foi transferido de outra escola por causa de ameaças feitas contra colegas. Segundo colegas da atual escola, o adolescente chamou um colega de “macaco”. A briga foi apartada por uma das professoras agredidas no ataque.
A Secretaria de Segurança Pública confirmou que o estudante era dono da conta no Twitter. O perfil está fechado, mas pelas interações entre contas abertas é possível confirmar que ele faz parte de uma “subcomunidade” virtual centrada em homenagear autores de ataques em escolas.
O “ícone” dessa subcomunidade é Guilherme Taucci, um dos autores do massacre de Suzano de 2019. O próprio adolescente autor do ataque usava o sobrenome “taucci” de nickname no Twitter. Foi para esses membros que o crime foi anunciado horas antes.
A subcomunidade está ativa principalmente no Twitter, TikTok e Discord. Para encontrá-la é preciso saber hashtags e termos específicos para interagir com centenas de perfis alimentados principalmente por jovens e adolescentes. Nela, ninguém revela o nome e o rosto, mas há inúmeros tuítes expressando vontade de cometer suicídio ou matar colegas de escola.
Qualquer autor, não importando a gravidade do crime, se torna um mártir na subcomunidade, morrendo ou não. “Nosso cria”, responde uma das dezenas de arrobas comemorando o ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro.
INCITAÇÃO AO ÓDIO
Em declaração nas redes sociais, o Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, Silvio Almeida afirmou que “ao que tudo indica, trata-se de ataque ligado aos efeitos da radicalização de jovens, conectados por redes de incitação ao ódio e à violência. Há anos, especialistas vêm alertando para o crescimento deste fenômeno e de como as autoridades ainda se encontram perplexas”, escreveu o ministro Silvio Almeida, em sua conta no Twitter, após se solidarizar com vítimas do ataque.
A fala do ministro dos Direitos Humanos baseia-se nas informações de que o agressor usou sua conta no Twitter para falar sobre o crime e teve o apoio de membros de comunidades online de ódio.
“Por este motivo o Ministério constituiu o GT de enfrentamento ao discurso de ódio e ao extremismo, cujo relatório deverá subsidiar a formulação de políticas nacionais de educação em direitos humanos a fim de que possamos, de alguma forma, interromper o ciclo de violência que hoje nos domina”, escreveu o ministro dos Direitos Humanos.