“Estamos debatendo esta medida histórica na cena de crime”, disse o democrata Jim McGovern, que preside o comitê de Regras da Casa, com o pedido de impeachment do presidente Donald Trump indo à discussão na Câmara dos deputados dos EUA, por insuflar uma turba a se deslocar até o Congresso e “lutar como o inferno” contra a homologação da vitória do oposicionista Joe Biden.
Incitamento que resultou na invasão do Capitólio no dia 6 de janeiro, vandalização das dependências, ameaça à integridade física dos congressistas e do vice-presidente Mike Pence, cinco mortos, inclusive um policial, gritos de “enforquem Pence” nos corredores e a paralisação do processo democrático por horas, em cenas que chocaram o país e o mundo.
Apresentada por quatro deputados democratas, o pedido de impeachment foi co-patrocinado por 218 deputados e a aprovação – que deverá ocorrer ainda hoje – é dada como certa, faltando somente ver quantos republicanos irão votar pelo imediato afastamento de Trump. O presidente cessante foi acusado de “incitação à insurreição contra o Governo dos Estados Unidos”.
Desta vez, ao contrário do dia 6, onde a segurança do Congresso praticamente inexistia, apesar da marcha a Washington de extremistas anunciada, centenas de integrantes da Guarda Nacional participaram do esquema de salvaguarda do poder legislativo. A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, fez um agradecimento aos militares por sua presença.
A resolução de quatro páginas do impeachment se baseia nas próprias declarações incendiárias de Trump no comício que serviu de concentração para o assalto ao Capitólio, nas falsidades que espalhou de que a vitória eleitoral de Biden era ‘fraude’, e nas pressões que cometeu tentando virar o resultado, a mais notória delas o telefonema ao secretário de Estado da Geórgia, em que o instou a roubar 11.870 votos, mudando o resultado eleitoral.
McGovern enfatizou que Trump disse à turba para “marchar até o Capitólio”, sinalização que considerou “inconfundível”.
De acordo com o pedido de impeachment, “o Presidente Trump colocou seriamente em risco a segurança dos Estados Unidos e de suas instituições de governo. Ele ameaçou a integridade do sistema democrático, interferiu com a transição pacífica do poder e impôs um ramo igualitário do governo. Ele ali, traindo sua confiança como presidente, para o prejuízo manifesto do povo dos Estados Unidos”.
Acrescenta o pedido que Trump, com tal conduta, “demonstrou que permanecerá uma ameaça à segurança nacional, à democracia e à Constituição se lhe for permitido permanecer no cargo, e agiu de forma extremamente incompatível com a autogovernança e o Estado de direito”.
E finaliza com o pedido de impeachment de Trump, julgamento pelo Senado e desqualificação para vir a ocupar qualquer cargo elegível nos EUA.
A bancada republicana, em sua maioria, na impossibilidade de defender os desvarios de Trump e o assalto ao Congresso, optou pela linha de dizer que o “impeachment instantâneo” de Trump seria “divisivo” do país, em um momento em que se faz urgente a “cicatrização e cura”.
Como se não houvesse sido Trump que passou o mandato inteiro promovendo a divisão, o ódio e o obscurantismo no país, e que desencadeou a atmosfera de suspeição da eleição bem antes, dizendo-se ‘já eleito’, e que só perderia se ‘houvesse fraude’ e, depois, repetindo as mentiras sobre fraude, enquanto era ele, e seus sequazes que faziam de tudo para afanar o resultado emanado das urnas.
O principal republicano do Comitê de Regras da Câmara, Tom Cole, disse, cinicamente, depois do assalto ao Congresso, que era “lamentável” que a maioria democrática não tivesse escolhido um “caminho para apoiar a cicatrização”.
Também chamou o processo de impeachmente de “truncado” e “errático”, e não condizente com a “prática moderna” – provavelmente considerando “moderno” o elemento com a camiseta Camp Auchwitz do ataque ao Capitólio, que acaba de ser preso.
Ladainha semelhante foi adotada pelo deputado republicano Tom Reed, dizendo que a aprovação do impeachment “nos últimos dias de mandato de Trump” só iria “exacerbar as queixas” dos apoiadores do presidente e, insinuou, “aumentar a violência em torno da transição de poder para Biden”.
Ele finalizou dizendo que o “impeachment instantâneo” era “um precedente muito perigoso”.
Já a deputada Lis Cheney – filha do ex-vice-presidente de W. Bush e apontada como o terceiro nome mais importante da bancada republicana -, afirmou que foi o presidente Trump que “convocou a turba, reuniu a turba e acendeu o estopim desse ataque”. “Nunca houve uma traição maior por parte de um presidente dos Estados Unidos a seu cargo e seu juramento à Constituição”.
Por sua vez, o deputado republicano Adam Kinzinger disse que “se isso não é um delito passível de impeachment, então não sei o que é”. “Esse é um daqueles momentos que transcende a política”, disse em entrevista, antes da votação.