A direção do PCdoB de Araraquara convidou o jornalista e escritor Sérgio Cruz para a homenagem ao primeiro herói nacional nos 231 anos de sua condenação. Em São Carlos, houve um encontro com o professor Sylvio Goulart Rosa, físico, pesquisador, presidente do ParqTec e admirador de Tiradentes
O Partido Comunista de Araraquara realizou na quarta-feira (19) uma cerimônia para homenagear Tiradentes, o primeiro herói nacional, na passagem deste “21 de Abril”, que marca os 231 anos de seu assassinato pela Coroa portuguesa. A direção do partido na cidade, bem como o vereador Guilherme Bianco, foram os organizadores do evento.
HOMENAGEM PARTIDÁRIA
O escritor Sérgio Cruz, autor do livro “Pátria Livre Ainda que Tardia” e redator da Hora do Povo, foi o palestrante da noite, convidado pelo partido para falar sobre a Inconfidência. Ele iniciou seu discurso dizendo estar muito honrado com o convite do partido para participar do evento e afirmou que “homenagear Tiradentes é um ato de patriotismo que faz parte da luta contra o imperialismo”.
Sua obra denuncia os crimes contra o Brasil e revela as ligações entre os revoltosos de Minas Gerais com Thomas Jefferson, líder da independência americana, que ocupava, na época, a posição de embaixador dos EUA em Paris, e também com os líderes da Revolução Francesa em gestação, baseados na região de Bordeaux a sudoeste da França. O livro revela documentos inéditos sobre esses contatos e encontros políticos. Os brasileiros buscavam apoio diplomático, financeiro e militar para a independência.
O autor baseou sua análise nas denúncias da pilhagem do país constantes em seu livro, fruto de dez anos de pesquisas dos Autos da Devassa, que já vendeu mais de 3 mil exemplares. Os Autos da Devassa são os documentos oficiais do processo contra os revolucionários. Eles permaneceram secretos até 1936, quando Getúlio Vargas acabou com o sigilo sobre esses documentos.
DEBATE INTENSO SOBRE A INCONFIDÊNCIA
Sérgio Cruz destacou a importância da luta e do desmascaramento da “ideologia do colonialismo”, instrumento usado pelas potências exploradoras para incutir, principalmente nas elites nos países dominados, a ideia de que nos países dominados não há heróis e nem capacidade de luta pela liberdade e independência. Eles se esforçam para nos convencer que somos países de segunda categoria e que tudo por aqui é resolvido em acordos e cambalachos entre os poderosos. Nada mais longe da realidade.
A luta do povo brasileiro é longa e muito rica. O autor cita a atuação depreciativa e contra a autoestima dos brasileiros na obra do brasilianista Kenneth Maxwell.
O fato das duas primeiras edições de sua obra “Pátria Livre Ainda que Tardia” já terem se esgotado, segundo Sérgio Cruz, revela que há um grande interesse, principalmente por parte da juventude, pela história deste revolucionário que organizou um amplo movimento contestatório, criou um programa bastante avançado para a sua época e deu iniciou ao processo de independência nacional. O autor disse que está preparando uma nova edição ainda mais ampliada de sua obra.
DIAS TURBULENTOS NO MUNDO
Sérgio comparou os dias de hoje com o período vivido por Tiradentes no final do século XVIII. Tanto lá como agora, diz ele, grandes impérios entraram em declínio. A Inglaterra perdeu sua principal colônia e a França viu a derrubada de Maria Antonieta por uma população enfurecida que acabou com a monarquia e enterrou o feudalismo no país. Hoje, o império americano vive um período de declínio com características semelhantes e diversos países do mundo, inclusive o Brasil, lutam contra o seu domínio financeiro e pela liberdade.
O vereador Guilherme Bianco falou sobre a importância do ato e destacou que o conhecimento da história do Brasil é fundamental para os lutadores pela liberdade, pela democracia e a soberania nacional. Ele citou o exemplo de um personagem conhecido por Dragão do Mar, do Ceará, que é pouco conhecido e que foi responsável pelo fim da escravidão no estado do nordestino, três anos antes da abolição da escravatura no Brasil. Ele apontou que a vida desse negro, que combatia o tráfico negreiro nos portos do Ceará, deveria ser mais estudada nas escolas.
VISITAS A SÃO CARLOS
Em seguida, Sérgio Cruz visitou a cidade vizinha de São Carlos e concedeu entrevista ao programa Fala São Carlos, da Rádio da cidade. Sérgio Cruz, Mauro e o vereador Guilherme Bianco também estiveram no ParqTec, onde foi recebido pelo presidente, o professor Sylvio Goulart Rosa, e conheceu a estrutura do local, referência em ciência, tecnologia e inovação.
Na rádio, Sérgio Cruz falou sobre a importância da data e de seu estudo sobre os Autos da Devassa, conjunto de documentos que reúne os processos dos inconfidentes. O autor destacou a importância da comemoração desta data na formação das novas gerações de brasileiros no espírito da luta pela soberania e a liberdade. “É importante o conhecimento de nosso passado para que saibamos como nos comportar corretamente nas lutas libertárias do presente”, diz ele.
PARQUE TECNOLÓGICO/CONFRARIA TIRADENTES
No ParqTec, o professor Sylvio Goulart, uma das maiores autoridades acadêmicas da cidade, pioneiro na criação de incubadoras de empresas de alta tecnologia, admirador de Tiradentes e criador de uma Confraria em sua homenagem, também participou das comemorações em memória no herói. Ele convidou Sérgio Cruz e os demais visitantes a se integrarem à Confraria. O professor faz questão de tocar sempre no 21 de abril um sino instalado no ParqTec, sempre às 11h20 (hora do enforcamento de Tiradentes).
Acompanhe alguns temas abordados por Sérgio Cruz na palestra
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, viveu num tempo em que o mundo se transformava rapidamente. O sistema colonial europeu, baseado no regime de servidão interna e escravidão e saque de riquezas, nas colônias, vivia uma crise profunda. O alferes, diferente da maioria das pessoas de sua época, conseguia enxergar com clareza as potencialidades do Brasil e se indignou com as amarras impostas ao país pelo regime colonial português.
EXEMPLO DE GUARARAPES
Tanto ele quanto outros inconfidentes já haviam se debruçado sobre Guararapes, onde brasileiros de diversas raças, confrontaram a subserviência dos portugueses e, por conta própria, expulsaram os holandeses do país. Aquele episódio heroico despertara nos brasileiros o sentimento nacional e o anseio de liberdade. Foi durante essas batalhas contra os holandeses que, pela primeira vez, se redigiu um manifesto em nome da nação brasileira e é, também, quando surge o glorioso Exército Brasileiro.
Alguns anos antes da eclosão do movimento independentista no Brasil, as 13 colônias do norte haviam se rebelado contra a dominação inglesa e conquistado a sua libertação e a França enterraria o regime feudal que amarrava o desenvolvimento das forças produtivas daquele país. Podemos dizer que o mundo vivia uma época de grandes mudanças e de uma efervescência política intensa.
O fato é que toda essa efervescência empolgou Tiradentes e seus companheiros a trilharem os caminhos da liberdade também aqui no Brasil. A traição de Silvério dos Reis, um infiltrado no movimento, no entanto, permitiu que os colonialistas portugueses derrotassem essa primeira tentativa de tornar o Brasil um país independente. Por isso, o líder da Inconfidência foi enforcado.
O movimento de 1789 foi reprimido violentamente pela Coroa portuguesa. Durante muito tempo era proibido se falar sobre ele em solo nacional. Mesmo com a Independência, conquistada em 1822, ou seja 30 anos após o martírio de Tiradentes, a permanência do regime monárquico e a presença da família real, que condenara Tiradentes, manteve um manto de silêncio sobre a revolta dos inconfidentes.
RESGATE REPUBLICANO/ABOLICIONISTA
Somente com o avanço do movimento Republicano/Abolicionista, na segunda metade do século XIX, os debates sobre a revolta foram retomados. Os líderes republicanos e abolicionistas adotaram Tiradentes como símbolo do movimento. É desta época o reconhecimento do alferes como herói nacional. Os republicanos de esquerda instituíram em 1894 o 21 de abril como “Dia de Tiradentes”. Tinha sido, inclusive, durante o período de luta pela República que ocorreu, em 1862, uma grande crise entre republicanos e a Coroa em torno da construção de uma estátua em homenagem a Pedro I no Rio de Janeiro. Os republicanos preferiam homenagear Tiradentes.
É desta época também a contraofensiva dos monarquistas que lançaram o livro “História da Conjuração Mineira”, de Joaquim Norberto, encomendado pela Coroa para denegrir Tiradentes, o símbolo maior do movimento republicano. A Coroa dera a Norberto todo o acesso aos Autos da Devassa – que se mantinha inacessível ao público -, ou seja, foi aberto ao autor monarquista todo o processo dos inconfidentes, com os depoimentos e as decisões dos tribunais da Metrópole.
Os documentos da Coroa portuguesa, que já eram deturpados na origem, foram transformados em “verdades históricas” pelas mãos de historiadores de aluguel e dos serviçais da Coroa.
Somente com a revolução de 1930, Tiradentes é efetivamente reconhecido oficialmente como herói nacional. Mais do que isso, é constituído por Getúlio, em Ouro Preto, antiga Vila Rica, o Panteão da Pátria, que guarda os restos mortais dos inconfidentes que o novo presidente mandou buscar nos países para onde eles foram exilados.
GETÚLIO LIBEROU AUTOS DA DEVASSA
Ainda, por decisão de Getúlio, foram tornados públicos os Autos da Devassa, que se tornaram a principal fonte primária para os pesquisadores dos acontecimentos de 1789/92. O governo Castelo Branco decretou o dia 21 de abril como feriado nacional. Estes são os fatos.
Alguns analisam negativamente a inconfidência por ela não ter defendido a abolição. Essa é uma forma simplista de se analisar a inconfidência. A questão da superação da escravidão não era, naquele momento, uma questão amadurecida na sociedade. O que estava maduro naquele momento era a luta pela independência. Dos inconfidentes, apenas Tiradentes defendia a libertação dos escravos. O alferes também já era adepto da República, mas esse também não era um ponto consensual entre os revolucionários.
Os setores da sociedade brasileira da época que participaram da inconfidência mineira, como os profissionais liberais, fazendeiros, mineradores, militares, estudantes, intelectuais e outros, foram convencidos por Tiradentes para participar de um movimento para, basicamente, romper com a dominação colonial portuguesa. O que já era um grande passo. Eles não se uniam na questão da abolição e da República.
O alferes, apesar de defender esses dois pontos, sabia da necessidade de manter a unidade da frente ampla para conseguir romper a dominação colonial. Por isso, como dirigente revolucionário lúcido, ele liderou a construção de um programa mínimo que propugnava a independência, a industrialização, o ensino público gratuito e a mudança da capital.
PROGRAMA ARROJADO
Esse era um programa bastante arrojado para a época e que, junto com a República e a abolição, foi sendo colocado em prática no decorrer dos episódios históricos e revolucionários que se seguiram no país.
O general Nelson Werneck Sodré, um dos maiores historiadores brasileiros, alertou para o que ele chamou de “ideologia do colonialismo”, que depois Lula popularizou com o termo “complexo de vira-lata”. É a inoculação pelos países dominadores da ideia de que nós somos inferiores e incapazes. De que nós não temos heróis. Que eles são todos uns espertalhões e aproveitadores. Que bons mesmo são eles, os habitantes do “primeiro mundo”.
Este papel foi cumprido no país pelos representantes dos think tanks do império que fizeram um trabalho minucioso para denegrir a imagem de Tiradentes e de outros heróis brasileiros. O principal instrumento de dominação ideológica do mudo na atualidade é o Conselho de Relações Exteriores dos EUA e, em relação ao Brasil, a sua seção para a América Latina, o Concil on Foreign Relation Latin América Studies Programs.
Ele estimula nos países da periferia movimentos que visam enfraquecer e derrubar líderes e mitos, ou seja, movimentos que visam denegrir a imagem dos patriotas e dos heróis. No Brasil, em relação a Tiradentes, esse papel foi cumprido pelo brasilianista Kenneth Maxwell, membro deste think tank (centro de pensamento), americano e autor do livro Devassa da Devassa. Com grande penetração no mundo acadêmico, ele é primoroso em denegrir o movimento dos inconfidentes.
Aparentando ser um trabalho acadêmico sério, o livro não passa de um plágio completo do que disse Joaquim Norberto em seu livro – já citado – A “Conjuração Mineira”, que havia sido encomendado pelos monarquistas na década de 60 do século XIX para combater o movimento republicano e abolicionista, que avançava de forma avassaladora e tinha como grande patrono exatamente Tiradentes.
Para que o movimento revolucionário atual resgate a história real do país e abrace a sua herança, é necessário um combate firme contra esta visão colonizada que tomou conta de nossa sociedade e do nosso mundo acadêmico.
ESPOLIAÇÃO DO OURO BRASILEIRO
Segundo Sérgio Cruz, formalmente quem dominava o Brasil era Portugal. O Brasil era espoliado em ouro pela Coroa portuguesa, mas todo o ouro e os diamantes que saíam do Brasil para Portugal tinham como destino final a Coroa Inglesa. Esse processo ajudou a industrialização do Reino Unido. Isso se deu porque Portugal havia se submetido aos ingleses no chamado Tratado de Methuen, de 1703.
Nele, a Inglaterra forneceria os tecidos e Portugal os vinhos. Por isso o tratado ficou conhecido por tratado dos “panos e vinhos”. Com isso, Portugal se atrasou em sua industrialização e se endividou com a Inglaterra.
O domínio da Inglaterra sobre o Brasil era exercido indiretamente. Se dava através de Portugal. Por exemplo, a Carta Régia, de Dona Maria I, decretando a proibição de qualquer produção de tecidos no Brasil, de 1785, e que foi o estopim para o início da Inconfidência, foi uma exigência da Coroa inglesa. A Inglaterra proibiu qualquer produção de tecidos em todas as suas colônias para proteger a sua indústria têxtil.
Só quando a Inglaterra conseguiu esse feito – destruir toda a indústria têxtil no mundo – é que ela iniciou a narrativa demagógica do livre comércio, liberdade econômica, etc.
No Brasil, que já vivia um declínio da extração de ouro, muitos brasileiros partiram para outras atividades econômicas, entre elas a produção de alguns artefatos para uso agrícola e de tecidos em tecelagens artesanais. Com a decisão de 1785, iniciou-se uma brutal repressão a todos os brasileiros que estavam exercendo esse tipo de atividade.
JOAQUIM DA MAIA E THOMAS JEFERSON
A primeira reunião no Rio de Janeiro que desencadeou o movimento inconfidente, e que contou com a participação de Tiradentes e do estudante brasileiro em Coimbra, Joaquim da Maia, ocorreu logo após a divulgação da carta régia proibindo qualquer produção no país.
Desde aquela época, muita coisa aconteceu no mundo e no Brasil. Por aqui, trinta anos após a morte de Tiradentes, conquistamos a nossa independência política. Durante muito tempo tivemos um regime monárquico, baseado na escravidão e na produção agrícola.
Depois veio a abolição e a República. Numa primeira fase, a República abriu boas perspectivas para o país, mas a chegada ao poder da oligarquia cafeeira paulista, submissa inteiramente ao domínio inglês, atrasou o nosso desenvolvimento.
Foi preciso uma nova revolução para que o país entrasse de vez no processo de industrialização e de modernização. Muitas mudanças aconteceram. De 1930 até 1980 o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo capitalista, com uma média de 7% de alta anual do Produto Interno Bruto (PIB).
De 1980 até hoje, com pequenos intervalos no sentido oposto, o Brasil se submeteu ao parasitismo financeiro imposto pelas economias centrais e estagnou. Estamos agora vivendo um período de retrocesso, tanto na política quanto na economia. O país está se desindustrializando e regredindo ao agrarismo exportador. Estamos entrando num novo período com a derrota do fascismo e a eleição de Lula. A esperança voltou a reinar no país.
MUNDO ATUAL EM CRISE
No mundo há algumas semelhanças com aqueles períodos turbulentos do final do século XVIII. Impérios e sistema sociais em decadência. Surgimento de novos sistemas sociais e de produção.
Atualmente, assistimos ao início de uma nova guerra que está sendo insuflada por um império decadente. Os EUA já não conseguem dominar o mundo e nem atender aos anseios de sua própria população. Isso ocorre porque perdeu dinamismo produtivo e afundou-se no parasitismo e na especulação financeira.
Em que pese essa perda de protagonismo político e econômico, o governo americano quer impor sua dominação a qualquer custo. Para isso faz uso de alianças militares agressivas como a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e provoca guerras a torto e a direito. Essas guerras têm dois objetivos, o primeiro é tentar manter o domínio decadente pela força, e o segundo alimentar sua indústria de armas sedenta de lucros.
Por outro lado, para desgosto do império cadente, surgem – como sempre acontece – novas sociedades com economias em ascensão, progresso social avassalador e uma forma mais cooperativa de se relacionar com o mundo. Assim como naquela época, grandes mudanças começam a aparecer no horizonte e a agitar o planeta.
O PC do B 65 e o PT 13 juntos deveriam homenagear : Antonio Conselheiro , Carlos Lamarca , Rodrigo Farias Lima , Gregorio Bezerra ; Manoel Lisboa , Jorge Amado e Joao Amazonas , ai sim seria bem melhor.