Uma adolescente de 15 anos foi resgatada pela Polícia Federal (PF) na noite de terça-feira (14), em um barco no rio Mucajaí, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. De acordo com a polícia, a menina foi cooptada para se prostituir em garimpo ilegal na área indígena e ficou por mais de 20 dias na região.
Ao Conselho Tutelar ela relatou a rotina de exploração sexual a que foi submetida após ser atraída com promessa para trabalhar como cozinheira na terra indígena. A adolescente contou que tinha que fazer até 16 programas por noite.
“Ela falou que enquanto estava lá, passava a noite inteira sendo explorada. Geralmente eram de 15, 16 programas por noite”, informou o conselheiro Franco Rocha.
Ela foi resgatada na região de Walopali, onde há um ponto de fiscalização da PF contra os garimpeiros. De acordo com o representante do Conselho, a menina foi atraída pelas redes sociais com a promessa de receber até R$ 5.800 por mês, valor seria pago em ouro ou dinheiro.
“Ela ficou animada pela quantidade de dinheiro. Eles foram buscá-la em casa dela, aqui em Boa Vista, em um carro superluxuoso. Inicialmente, ela ficou confiante que ia trabalhar na área da cozinha e que eles iam pagá-la”.
Mas ao chegar ao local, ela foi obrigada pelos aliciadores a ir para os bordéis, que são inúmeros na região. “E que se ela não fosse, iriam deixá-la rodada, como costumam dizer por lá”, relatou o conselheiro. “Não iria pagá-la, e ainda corria o risco de ser assassinada porque eles a ameaçaram de morte. Então, ela não teve outra alternativa”, explica Franco.
No barco interceptado durante a operação da PF, que teve o apoio do Ibama, das Forças Armadas, da Força Nacional de Segurança Pública e da Funai, os agentes identificaram que outras mulheres, inclusive a garota, tinham sido cooptadas por agenciadores para se prostituírem no garimpo.
A família tinha comunicado o desaparecimento da adolescente e, na abordagem, a polícia identificou o boletim de ocorrência que comunicava o sumiço da menina.
“A PF já tinha conhecimento de ‘cabarés’ no garimpo, mas essa é a primeira vez que identificam uma logística tão estruturada, e que é uma das logísticas que mantém o garimpo”, disse o delegado do caso, Marco Bomtempo, à Rede Amazônica. Segundo ele, esse episódio evidenciou pela primeira vez a logística utilizada para exploração sexual na Terra Yanomami.
Ainda segundo o conselheiro tutelar, ela afirmou ter visto várias outras adolescentes, também vítimas de prostituição. Além das violências sofridas pela jovem, a PF investiga a organização criminosa envolvida na cooptação de mulheres e adolescentes para se prostituírem nas áreas de garimpo de Roraima.
“Quando ela chegou lá, viu que tinham várias outras adolescentes, de 15, 16, 17 anos. E, em determinando momento, eles retiram essas adolescentes dos cabarés e encaminham para outros cabarés, como se fosse um rodízio. Lá elas são ameaçadas constantemente, e eles falam que só vão receber no final, quando voltar”.
“No caso dela, ela ficou por mais de um mês, foi ameaçada para que não procurasse a polícia, se não, eles sabiam onde ela morava e iriam executar ela e a família”, continuou Franco.
Segundo ele, ela recebeu ajuda de um barqueiro, a quem ela pediu carona, para conseguir deixar a região. Ouvida pelo Conselho ainda na madrugada de terça-feira, a menina vai ser encaminhada para atendimento psicológico. O órgão também vai atuar para garantir a proteção, como fazer a matrícula dela em escola, e encaminhar a família para ser incluída em algum projeto social e de renda.
O caso da adolescente é um dos tantos em que ficção e realidade se confundem. O filme brasileiro “Anjos do Sol” (2006), do ator e diretor Rudi Lagemann, que reúne no elenco Antonio Calloni, Bianca Comparato e Otávio Augusto – e tem como fio condutor o garimpo – retrata com fidelidade a relação entre vulnerabilidade social e a exploração sexual de meninas.