Prefeitura de São Luiz, em Roraima, cidade de apenas 8 mil habitantes, pagaria R$ 800 mil em apenas um show do cantor. O recurso é maior que o gasto com merenda para as escolas municipais durante todo o ano
Os shows de Gusttavo Lima tomaram a atenção nos últimos dias devido a problemas relacionados a possíveis irregularidades no pagamento de cachês exorbitantes com o dinheiro público, principalmente vindo de cidades pequenas nos interiores do Brasil.
Gusttavo Lima tem três shows sendo investigados pelo Ministério Público de Roraima, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, além de apresentação cancelada pela Prefeitura de Conceição do Mato Dentro (MG).
Foi exposto que ele fez um contrato com a Prefeitura de São Luiz, em Roraima, para receber R$ 800 mil em apenas um show, na 24ª edição da vaquejada na cidade, que está prevista para acontecer em 1º, 2º e 3 de dezembro deste ano.
A pequena cidade de São Luiz, em Roraima, tem um pouco mais de 8 mil habitantes, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sendo assim, dividindo o cachê do show do sertanejo entre os moradores locais, incluindo crianças e adultos, cada um pagaria R$ 100 por pessoa. Além disso, a cidade tem um PIB de R$ 147,6 milhões, o segundo menor do estado, ficando atrás só de Uiramutã.
Com despesas fundamentais sendo ignoradas pelo município como infraestrutura, saúde e educação, a contratação do artista chamou a atenção do Ministério Público de Roraima (MP-RR), que passou a investigar o processo contratual do órgão público com o cantor.
CACHÊ MILIONÁRIO
O cachê pago pela prefeitura a Gusttavo Lima é 433,3% maior que o pago à dupla sertaneja Cesar Menotti e Fabiano. Já a única mulher entre as atrações, Solange Almeida, receberá o valor 640,7% menor do que o do sertanejo.
Na última sexta-feira, 27 de maio, o Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) instaurou um procedimento para fazer identificar a existência de elementos com o objetivo de investigar as despesas do evento.
Porém, no último sábado, 28, a Prefeitura de Conceição do Mato Dentro informou o cancelamento do show de Gusttavo Lima, que teria o cachê de 1,2 milhão e de César Menotti e Fabiano, que receberiam R$ 520 mil.
Ainda estarão no evento, que acontece entre os dias 17 e 23 de junho, Israel e Rodolffo com o cachê de R$ 310 mil, Di Paulo e Paulino por R$ 120 mil, João Carreiro por R$ 100 mil e Thiago e Jonathan por R$ 90 mil.
Segundo a prefeitura de Conceição do Mato de Dentro, existe uma tentativa de envolver o evento “em uma guerra política e partidária que não tem nenhuma ligação com o município e nem tampouco com a tradicional festa”.
De acordo com o contrato firmado entre a Prefeitura de Conceição do Mato Dentro e a “Balada Eventos e Produções LTDA”, empresa de Gusttavo Lima, no valor de R$ 1,2 milhão, metade do montante seria pago no ato da assinatura, que aconteceu em abril, e a outra metade deveria ser quitada até 15 de junho de 2022.
O contrato do show prevê multa de 50% do valor do negócio em caso de rescisão. Por isso, há uma compensação, e o artista não precisaria devolver o valor que, neste caso, já estaria pago. Sendo assim, mesmo com o show cancelado, ele receberia R$ 600 mil.
No entanto, a Prefeitura de Conceição do Mato Dentro nega quaisquer pagamento prévio e segundo o executivo “o contrato administrativo, ao contrário das relações civis, exige procedimentos prévios ao pagamento, que não foram supridos” – não foram detalhados quais eram os procedimentos.
Conforme a própria interpretação do município, não haverá aplicação de multa pois previsão contratual prevê pagamento de multa só para notas fiscais que foram emitidas, o que não ocorreu pelos procedimentos prévios necessários não terem sido efetivados.
A prefeitura de Magé, no Rio de Janeiro, fez a contratação do cantor na última quarta-feira, 26, para apresentação no aniversário de 457 anos do município, em junho, pelo valor de R$ 1.004.000,00.
O contrato milionário chamou atenção do MPRJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), pois recebeu denúncias para apurar a contratação. “A 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Magé informa que a partir de representações/ouvidorias relativas aos gastos com a festa de aniversário da cidade de Magé, foi instaurado inquérito civil para apurar os fatos narrados nas denúncias”, informa o órgão em nota ao Splash, do UOL.
A apresentação, agendada para 8 de junho, vai ser a abertura do aniversário da cidade. Além do show de Gusttavo Lima por R$ 1.004.000,00, também vão se apresentar o cantor Belo, com um contrato de R$ 180 mil, e a Pastora Midian Lima, com cachê de R$ 75 mil.
COMO TUDO COMEÇOU
Essa história de cachês sendo pagos com dinheiro público ficou em evidência logo depois das invertidas de Zé Neto, da dupla com Cristiano, à Anitta, durante um de seus shows, que aconteceu dia 12 de maio deste ano.
“Nós somos artistas e não dependemos de Lei Rouanet, nosso cachê quem paga é o povo. A gente não precisa fazer tatuagem no ‘toba’ para mostrar se a gente está bem ou não. A gente simplesmente vem aqui e canta e o Brasil inteiro canta com a gente”, disse Zé Neto na ocasião.
Na apresentação de Sorriso (MT), o cantor também criticou a Lei Rouanet, uma bandeira levantada e defendida por Jair Bolsonaro (PL), que foi o candidato escolhido pela dupla sertaneja para fazer campanha eleitoral em 2018.
No entanto, o show daquela noite, que aconteceu em 12 de maio, foi pago com dinheiro público advindos do cofre da Prefeitura de Sorriso, no Mato Grosso.
Depois da polêmica instaurada, não demorou muito para a imprensa expor que Zé Neto e Cristiano faturaram pelo menos R$ 3 milhões com shows pagos por prefeituras pelo país. No show em Sorriso (MT), em que criticou uma lei que ajuda artistas e o incentivo à cultura, eles receberam R$ 400 mil. Foi descoberto que eles ganharam R$ 250 mil de Itabaiana (SE), R$ 253 mil de Colina (SP) e R$ 320 mil de Uruana (GO).
Artistas de todos os gêneros musicais já foram ou estão sendo contratados e pagos com dinheiro público, porém a grande problemática desse esquema é a conta final não bater.
Para existir um equilíbrio econômico, a cidade contratante precisa ter o mínimo de devolutiva financeira e prefeitura responsável pelo evento precisa fazer os cálculos para pagar um valor justo ao artista que se apresenta.
E foi justamente esse ponto que pegou principalmente para Gusttavo Lima.
MAÍRA CAMPOS