Ministra do STF defendeu que CPI da Covid apure fake news que podem ter causado ‘impacto deletério’ no combate à pandemia, e disse ver indícios de ação para atrasar compra de vacinas
A ministra do STF (Supremo Tribunal Federal), Rosa Weber, manteve, nesta quarta-feira (16), as quebras do sigilo bancário e fiscal da Associação Médicos pela Vida, e do sigilo telefônico e telemático (mensagens e e-mails) do assessor especial da Presidência da República, Filipe Martins.
Ao todo, na semana passada, a CPI quebrou os sigilos de cerca de 20 pessoas. Desde então, os alvos da decisão passaram a acionar o STF.
Em alguns casos, os ministros do tribunal mantiveram a quebra, como nos dos ex-ministros Pazuello e Ernesto Araújo (Relações Exteriores), e, em outros, suspenderam a decisão da CPI.
Ao STF, a CPI da Covid informou que a Associação Médicos pela Vida pretende impedir que os governos “adotem medidas de distanciamento social, uso obrigatório de máscaras e álcool-gel e paralisação de atividades”. A entidade teria também “assumido uma campanha por remédios inúteis, sendo necessário aprofundar suas relações, analisando seu funcionamento e financiamento”.
No fim de abril, o MPF (Ministério Público Federal) no Rio Grande do Sul ajuizou ação civil pública contra a Anvisa e contra a associação. A ação foi motivada por “manifesto” em que a entidade defendia medicamentos ineficazes — a Anvisa é apontada como “omissa” no caso.
Tanto a entidade quanto o assessor presidencial são investigados pela CPI por orientarem uso de fármacos para combater o vírus da Covid-19, que são cientificamente inúteis para debelar a virose.
MEMBROS DO CHAMADO “GABINETE PARALELO”
Filipe Martins, assessor especial da Presidência da República, é apontado como um dos membros do chamado “gabinete paralelo” que aconselhava Jair Bolsonaro a defender drogas sem eficácia contra Covid-19 durante a pandemia do novo coronavírus.
Na CPI da Covid-19, o presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, disse que Martins participou de reunião sobre vacinas comandada pelo ex-secretário de Comunicação da Presidência da República, Fabio Wajngarten.
“MÉDICOS PELA VIDA” E MENTIRAS
No pedido ao STF, a Associação Médicos pela Vida pediu a suspensão da quebra do sigilo dos dados alegando falta de fundamentação e desvirtuamento da medida.
Ao decidir, Rosa Weber defendeu que a CPI deve investigar o impacto das “fake news” (mentiras) para o enfrentamento da pandemia.
A magistrada afirmou que não se discute mais a influência de mentiras e que é “natural considerar que a eventual propagação destas em relação a técnicas e procedimentos de tratamento pode ter causado impacto negativo naquele contexto geral de enfrentamento, assunto a ser devidamente mensurado pelo avanço das investigações”.
Rosa Weber disse ainda que a pretensão da CPI está vinculada com o objeto da investigação sobre o enfrentamento da pandemia.
“Como dito, a questão tem foco específico, relacionado à gestão sanitária da pandemia, sob a sugestão, aparentemente inarredável, de que certas fake news podem ter causado impacto deletério na eficiência do combate ao problema”.
A ministra citou ainda que “não se deve exigir das decisões parlamentares de quebra de sigilo o mesmo nível de fundamentação típico de decisões judiciais, considerar o específico ato em questão dotado de fundamentação suficiente, num primeiro exame”.
FILIPE MARTINS E ATRASO DAS VACINAS
Ao decidir sobre o pedido de Filipe Martins, a ministra Rosa Weber apontou que o assessor teria atuado diretamente para o atraso na compra de vacinas pelo governo — o que justifica as quebras.
“É dizer, os indícios apontados contra o impetrante — que teria concorrido diretamente para o atraso na aquisição de imunizantes pelo Estado brasileiro e, por via de consequência, influenciado no agravamento da situação pandêmica hoje vivenciada no País —, sugerem a presença de causa provável, o que legitima a flexibilização do direito à intimidade do suspeito, com a execução das medidas invasivas ora contestadas”, está escrito na decisão.
“Não há, por óbvio, como saber, de antemão, se e quais indícios demonstrarão, ao fim das investigações, conexões efetivamente importantes e, por isso, todos devem ser objeto de análise”, afirmou.
Rosa Weber disse que a CPI agiu dentro de suas competências e que as quebras de sigilo telefônico e telemático “assumem singular relevância” e podem esclarecer a atuação de potenciais envolvidos para disseminação de fake news com o objetivo de atacar a credibilidade de quem defende a vacina e se posiciona contra tratamento precoce, ou seja, remédios sem eficácia comprovada contra a Covid-19.
“Não detecto, ainda, desproporcionalidade na medida impugnada. Dadas as particularidades da presente CPI, que envolve sensível investigação sobre virtuais responsáveis, na estrutura governamental, pelo quadro de emergência sanitária que hoje assola o País — e que já vitimou quase meio milhão de brasileiros —, as quebras de sigilo telefônico e telemático assumem singular relevância”, escreveu a ministra.
Rosa Weber afirmou que isso ocorre porque “sem tais intervenções na esfera de intimidade dos potenciais envolvidos, as chances de êxito quanto ao esclarecimento dos fatos sob apuração tornam-se praticamente desprezíveis, máxime quando em jogo possível estratégia de disseminação de informações falsas, com o propósito de minar a credibilidade ‘daqueles que defendem a aquisição de vacinas e combatem o uso de recursos públicos para incentivar o assim chamado ‘tratamento precoce’”.
Filipe Martins é o assessor de assuntos Internacionais do Planalto que fez gesto racista no Senado durante uma audiência na Casa do então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
O inquérito feito pela Polícia do Senado concluiu que o assessor fez um gesto racista durante uma sessão do Senado Federal. Mesmo depois da pressão dos senadores pela saída de Filipe Martins, Jair Bolsonaro o mantém no cargo.
M. V.
Com informações do portal G1