Jair Bolsonaro indicou para a direção-geral do Arquivo Nacional um especialista em tiros, ex-chefe da segurança do Banco do Brasil e ex-subsecretário de Segurança do Distrito Federal, Ricardo Borda D’Água de Almeida Braga.
O indicado também é atirador esportivo e membro de clubes de tiro.
A intenção de Jair Bolsonaro, afirma o jornalista e escritor Ruy Castro, “é usar o Arquivo Nacional para reescrever a história, fazendo com que golpe se transforme em revolução, ditadura em regime forte e tortura em interrogatório”.
Castro pontua que Jair Bolsonaro indicou um “pazuello” para o Arquivo Nacional. “Engana-se, porém, quem acha que Bolsonaro só quer fuzilar a cultura. Ele quer transformá-la, moldá-la à feição dos seus esgares, daí os pazuellos que ocupam hoje os órgãos da cultura na área federal”.
“O cidadão parece entender de armas. Mas o Arquivo Nacional não é um estande de tiro”, observa o jornalista em seu artigo intitulado “Queima de arquivo” no jornal Folha de S.Paulo.
O Arquivo Nacional “foi fundado em 1838, na Regência do marquês de Olinda, com a finalidade de preservar documentos públicos — administrativos, jurídicos, históricos. Entre milhares de itens, contém os arquivos trazidos pela Corte em 1808, uma coleção de fotografias iniciada em 1860, as Constituições do Império, os papéis pessoais do duque de Caxias e de muitos presidentes da República, registros de entrada de imigrantes, processos de tribunais civis e militares e o que mais você pensar. Contém a história do Brasil — daí ter sido, quase sempre, dirigido por historiadores, diplomatas, bibliotecários e, não por acaso, arquivistas”, conta Ruy Castro.
O jornalista, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, disse que “como não é possível rasurar os documentos, a solução”, para Bolsonaro, “é destruí-los”.
“Para isso, Bolsonaro autorizou as repartições federais a requisitar documentos do Arquivo Nacional e eliminá-los sem qualquer controle. Melhor ainda se forem os que se referem à ditadura militar, perigosamente à disposição dos estudiosos”.
Decisões do governo Bolsonaro permitem, com todas as letras, que documentos do Arquivo Nacional sejam destruídos por repartições federais sem pedir autorização para o órgão.
O Ministério Público Federal (MPF) abriu uma investigação sobre a nomeação de Ricardo Borda D’Água por conta de um manifesto feito por funcionários do Arquivo Nacional.
“Não é razoável que o Arquivo Nacional seja dirigido por um indivíduo em cujo currículo não há qualquer menção de atuação com gestão de documentos”, dizem os funcionários.
MANIFESTO
O Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do Brasil (FNArq) e mais 53 entidades de todo o país divulgaram na segunda-feira (22/11) um manifesto contra a nomeação de Ricardo Borda D’Água de Almeida Braga.
Leia na íntegra o manifesto e as entidades que assinam:
NOTA EM DEFESA DO ARQUIVO NACIONAL
O Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do Brasil (FNArq) e entidades que subscrevem esta nota vêm a público enfatizar a importância do Arquivo Nacional para a garantia dos direitos civis, a transparência das informações públicas e a preservação da memória e da cultura nacional.
Assim, sublinhamos a necessidade de quadros técnicos qualificados para implementar políticas efetivas para a área, dentro da missão institucional do órgão federal.
Considerando ainda que o Decreto nº 9.727/2019 estabelece os critérios e o perfil profissional para cargos de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) na Administração Pública Federal, que é o caso da Direção do Arquivo Nacional, causou consternação a publicação da nomeação, no Diário Oficial da União de 19/11/2021, do Sr. Ricardo Borda D’Água de Almeida Braga para o cargo de Diretor-Geral do Arquivo Nacional, que acumula também o cargo de Presidente do Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), órgão central do Sistema Nacional de Arquivos (SINAR), responsável pela política nacional de arquivos.
Neste sentido, reivindicamos a nomeação de um profissional com qualificação técnica e experiência na área, conforme o Decreto supracitado, que estabelece o “perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo ou a função para o qual tenha sido indicado”.
No Brasil existem inúmeros profissionais com expertise necessária, e não é razoável que o Arquivo Nacional seja dirigido por indivíduo em cujo currículo não há qualquer menção de atuação com gestão de documentos e/ou formação em arquivologia, ciência da informação, história, patrimônio cultural, memória, preservação e áreas correlatas.
O Arquivo Nacional, instituição secular, vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, cumpre, entre outras funções, a gestão dos documentos produzidos e recebidos em todos os órgãos federais, auxiliando na eficiência e na transparência governamental, e a salvaguarda e o acesso de acervos de importância fundamental para a história e a memória de nosso país.
Seu acervo é composto de documentos do século XVI ao tempo presente, são cerca de 55 km de documentos textuais, mais de um milhão de fotografias e negativos, além de milhares de diapositivos, caricaturas, charges, cartazes, cartões postais, desenhos, gravuras e ilustrações, mapas, filmes e registros sonoros.
A democracia se baseia na inclusão pela diversidade cultural, onde os processos históricos forjam a Nação, e se legitima na medida em que os cidadãos têm acesso às informações públicas conforme previsto na Constituição Federal Brasileira.
Documentos e informações públicas são instrumentos de apoio à administração, à cultura e ao desenvolvimento científico, demasiadamente estratégicos e sua gestão e proteção exigem uma direção qualificada, experiente e dotada de profundo saber, compatível com os desafios da área.
Nosso patrimônio histórico e documental corre perigo nas mãos de pessoas sem o conhecimento e competência técnica necessários ao seu correto tratamento.
Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do Brasil (FNArq)
As entidades abaixo subscrevem o documento:
Arquivo Histórico Municipal de Santa Maria-RS
Arquivo Público do Estado da Paraíba (APEPB)
Arquivo Público do Estado de Santa Catarina (APESC)
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC)
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS)
Associação Brasileira de Educação em Ciência da Informação (ABECIN)
Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA)
Associação Brasileira de História Oral (ABHO)
Associação de Amigos da Casa de Memória Edmundo Cardoso – Santa Maria-RS
Associação de Amigos do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (AAAPRS)
Associação de Arquivistas da Bahia (AABA)
Associação de Arquivistas de São Paulo (ARQ-SP)
Associação de Arquivistas do Estado de Santa Catarina (AAESC)
Associação de Arquivistas do Estado do Ceará (ARQUIVE-CE)
Associação de Arquivologia do Estado de Goiás (AAG)
Associação dos Amigos do Arquivo Histórico de Santa Maria (AMARQHIST)
Associação dos Arquivistas da Paraíba (AAPB)
Associação dos Arquivistas do Estado do Espírito Santo (AARQES)
Associação dos Arquivistas do Estado do Rio de Janeiro (AAERJ)
Associação dos Arquivistas do Estado do Rio Grande do Sul (AARS)
Associação Mineira de Arquivistas (AMArq)
Associação Nacional de História (ANPUH)
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (ANPARQ)
Base de Dados em Arquivística (BDA)
Casa de Memória Edmundo Cardoso – Santa Maria-RS
Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ)
Comitê Brasileiro para Conservação do Patrimônio Industrial (TICCIH-Brasil)
Coordenação do Curso de Arquivologia da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Curso de Arquivologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Curso de Graduação em Arquivologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Departamento de Arquivologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Ecomuseu de Pacoti – Ceará
Estudos Arquivísticos em Documentos e Registros Digitais (EADRD)
Executiva Nacional dos Estudantes de Arquivologia (ENEA)
Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas de Informação e Instituições (FEBAB)
Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (FeNEA)
Fórum de Patrimônio Cultural de João Pessoa
Fórum Nacional de Ensino e Pesquisa em Arquivos (FEPARQ)
Grupo de Estudo e Pesquisa em Ensino de História (GEPEH)
Grupo de Estudos Arquivísticos (GEArq)
Grupo de Pesquisa “Políticas e gestão de documentos e arquivos” da Escola de Ciência da Informação/Universidade
Federal de Minas Gerais (PGDA/ECI/UFMG)
Grupo de Pesquisa Estudos Prospectivos: formação e atuação profissional do arquivista
Grupo Organização do Conhecimento e Gestão Documental (KOD/UFSC)
Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB)
Laboratório de ensino e aprendizagem em História (LEAH)
Latin American Studies Association (LASA) – Seção Archives, Libraries & Digital Scholarship
Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Federal do Ceará (PROFHISTÓRIA/UFC)
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Ceará (PPGH/UFC)
Rede Nacional de Arquivistas das Instituições Federais de Ensino Superior (Rede ARQUIFES)
Sindicato dos Bibliotecários, Cientistas da Informação, Documentalistas, Arquivistas, Historiadores, Museólogos,
Auxiliares de Biblioteca e Auxiliares de Centros de Documentação de São Paulo (SinBiesp)
Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC)
Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB)