O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, em discurso na 76ª Assembleia Geral da ONU, advertiu contra as “tentativas persistentes de diminuir o papel da ONU na resolução dos principais problemas de hoje, de marginalizá-la ou de transformá-la em uma ferramenta maleável que promova os interesses egoístas de alguém”.
Tentativas – apontou, referindo-se ao papel assumindo pela Casa Branca – “claramente visíveis no chamado conceito de ‘ordem baseada em regras’ que o Ocidente está persistentemente introduzindo no discurso político em oposição ao direito internacional”.
Para a Rússia, sublinhou Lavrov, “as ameaças e os desafios só podem ser enfrentados com eficácia por meio de esforços conjuntos em estrita conformidade com as normas universalmente reconhecidas do direito internacional, em primeiro lugar, os objetivos e os princípios da Carta das Nações Unidas”.
Ele chamou a ONU a “desempenhar o papel central de coordenação na política global, liberando totalmente seu potencial de multilateralismo universal e legitimidade”.
Após advertir sobre as manobras para voltar a dividir o mundo entre ‘eles e nós’, Lavrov enfatizou que “o mundo precisa de unidade, em vez de uma nova divisão”, diante dos novos desafios globais.
A Rússia – sublinhou – defende veementemente “a rejeição de qualquer confronto e estereótipos, e a união de esforços para enfrentar as principais tarefas do desenvolvimento e sobrevivência da humanidade”.
Lavrov pontuou sobre os principais temas em jogo no atual momento e concluiu propondo a adoção da consigna “A Carta da ONU É Nossa Regra”.
Abaixo, a íntegra do discurso de Lavrov:
Sr. presidente,
Senhor Secretário-Geral,
Senhoras e senhores,
Estou feliz por ter esta oportunidade de falar do pódio da Assembleia Geral das Nações Unidas. O fato de estarmos mais uma vez reunidos neste salão simboliza nossa prontidão coletiva para retomar a comunicação normal que havia sido suspensa desde o início da pandemia COVID-19.
Essencialmente, não temos outra opção, uma vez que a ampla cooperação nas Nações Unidas é particularmente relevante agora, quando o número de problemas na agenda internacional continua a aumentar.
A gama de ameaças transfronteiriças está se expandindo. Numerosos focos regionais de tensão têm um potencial desestabilizador substancial. Estamos vendo tentativas crescentes de usar a abordagem “a força faz o certo” em vez de “o certo é a força”. Não há consenso entre as principais potências quanto aos princípios da ordem mundial.
Para a Rússia, é óbvio que as ameaças e os desafios só podem ser enfrentados com eficácia por meio de esforços conjuntos em estrita conformidade com as normas universalmente reconhecidas do direito internacional, em primeiro lugar, os objetivos e os princípios da Carta das Nações Unidas.
Essa organização global deve desempenhar o papel central de coordenação na política global, liberando totalmente seu potencial de multilateralismo universal e legitimidade.
Recentemente, temos testemunhado tentativas persistentes de diminuir o papel da ONU na resolução dos principais problemas de hoje, de marginalizá-la ou de transformá-la em uma ferramenta maleável que promova os interesses egoístas de alguém. Tais tentativas são claramente visíveis no chamado conceito de “ordem baseada em regras” que o Ocidente está persistentemente introduzindo no discurso político em oposição ao direito internacional.
Naturalmente, ninguém pode se opor às regras como tais. Afinal, isso é exatamente o que a Carta da ONU é – um conjunto de regras. No entanto, essas regras foram aprovadas por todos os países do mundo. Da mesma forma, quaisquer novas normas que regem a interação internacional devem ser pactuadas em plataformas universais, sobretudo aqui.
Por outro lado, quando as regras são estabelecidas a portas fechadas, para contornar essa organização universal, elas não podem ter uma legitimidade abrangente.
Ao deslocar a discussão sobre questões-chave para formatos que se adaptem melhor, o Ocidente deseja excluir do processo de tomada de decisão global aqueles que têm seus próprios pontos de vista diferentes.
Seguindo essa lógica, Alemanha e França anunciaram recentemente a criação da Aliança para o Multilateralismo, embora que tipo de estrutura poderia ser mais multilateral do que as Nações Unidas? Berlim e Paris, porém, decidiram que na ONU há muitos “conservadores” atrapalhando os esforços da “vanguarda”. Eles proclamaram que a União Europeia é o epítome do “multilateralismo eficaz” e todos os outros deveriam emulá-lo.
Há um exemplo recente: o governo dos Estados Unidos teve a ideia de convocar uma Cúpula para a Democracia. Nem é preciso dizer que Washington vai escolher os participantes por si só, sequestrando assim o direito de decidir em que grau um país atende aos padrões de democracia.
Em sua essência, esta iniciativa está bem no espírito da Guerra Fria, pois declara uma nova cruzada ideológica contra todos os dissidentes. Vale ressaltar que essa política está sendo implementada tendo como pano de fundo as palavras do presidente Biden de que os Estados Unidos não buscam um mundo dividido em blocos opostos.
Na verdade, porém, a Cúpula pela Democracia será um passo para dividir a comunidade global em “nós” e “eles”.
É também revelador que, embora declare a primazia da democracia em suas relações com todos os parceiros, Washington só se preocupa com a situação interna nos países relevantes.
Quando se trata de estabelecer a democracia nas relações internacionais, os Estados Unidos – assim como seus aliados – rapidamente perdem o interesse na discussão, porque ninguém ousaria usurpar a autoridade da OTAN e da UE. Estas são as regras.
O presidente Biden anunciou recentemente a rejeição dos métodos militares usados, como ele mesmo disse, “para refazer outros países”. Esperamos que os Estados Unidos dêem um passo adiante e rejeitem não apenas o uso da força, mas qualquer outro método de impor seu modelo de desenvolvimento aos outros.
A “ordem baseada em regras” é baseada em padrões duplos. Quando serve aos interesses do Ocidente, o direito dos povos à autodeterminação torna-se absoluto. Nesses casos, uma entidade criada artificialmente no Kosovo, anteriormente confiscada à força de um país europeu, a Sérvia, é reconhecida como um estado independente, em violação da resolução do Conselho de Segurança e sem referendos.
Não incomoda ninguém que as Malvinas estejam a 12 mil quilômetros da Grã-Bretanha e que Paris e Londres ainda controlem suas ex-colônias, apesar das decisões da ONU e do Tribunal Internacional de Justiça, e não têm intenção de dar-lhes liberdade.
Por outro lado, quando o direito à autodeterminação vai contra os interesses geopolíticos do Ocidente, tal como aconteceu no caso da expressão de livre arbítrio do povo da Crimeia no referendo de 2014 sobre a reunificação com a Rússia, esquece tudo sobre isso e introduz sanções ilegítimas para o exercício deste direito.
A razão é simples – o povo da Crimeia estava tentando se libertar dos ultra-radicais que estavam por trás do golpe na Ucrânia apoiado pelo Ocidente. O que significa que desde que “os mocinhos” chegaram ao poder em Kiev, eles devem, de acordo com as regras ocidentais, ser protegidos e desculpados.
Na mesma linha da “ordem baseada em regras”, os Estados Unidos preservam o embargo comercial obsoleto contra Cuba e se esforçam para impor sua vontade ao povo da Venezuela e da Nicarágua – em flagrante violação do princípio de não ingerência nos assuntos internos de estados soberanos baseado na Carta.
O uso de medidas restritivas unilaterais mina as prerrogativas do Conselho de Segurança e vai contra o apelo do Secretário-Geral da ONU para suspendê-las pelo menos durante o período da pandemia.
Os esforços de vários países para reescrever a história da Segunda Guerra Mundial também visam enfraquecer a ordem mundial centrada nas Nações Unidas.
Os Estados membros da UE e da OTAN recusam-se a apoiar a resolução da Assembleia Geral sobre a inadmissibilidade da glorificação do nazismo e rejeitam propostas para condenar a prática de destruição de monumentos a quem libertou a Europa da “peste marrom”.
Instilar uma “ordem baseada em regras”, em vez de garantir o cumprimento incondicional do direito internacional, está repleto de uma perigosa recaída na política do bloco e da criação de linhas divisórias entre um grupo de países ocidentais e outros estados.
No entanto, eventos recentes mostraram que regras arbitrárias também podem ser aplicadas dentro do bloco ocidental, se um de seus membros se tornar muito independente.
Pelo menos, muitos meios de comunicação mundiais perceberam a reviravolta na história em torno do fornecimento de submarinos à Austrália como uma resposta ao discurso da “autonomia estratégica” da Europa, que se intensificou desde a retirada precipitada dos EUA do Afeganistão.
O caos que acompanhou essa retirada é mais uma demonstração das regras sobre as quais o Ocidente vai construir sua ordem mundial.
Estamos convencidos de que é hora de tirar lições das repercussões perigosas da política destinada a minar a arquitetura centrada nas Nações Unidas, que foi moldada no rescaldo da Segunda Guerra Mundial e tem se mostrado repetidamente um seguro confiável contra cenários desastrosos.
Diante dos desafios globais, o mundo precisa de unidade, em vez de uma nova divisão. A Rússia defende veementemente a rejeição de qualquer confronto e estereótipos, e a união de esforços para enfrentar as principais tarefas do desenvolvimento e sobrevivência da humanidade.
Temos instrumentos suficientes para isso. Em primeiro lugar, é a ONU e seu Conselho de Segurança, que precisa se adaptar à realidade de uma ordem mundial policêntrica, ampliando-a com maior representação de países asiáticos, africanos e latino-americanos.
Os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, que, de acordo com a Carta da ONU, têm uma responsabilidade especial perante a Organização, podem e devem encorajar uma ação coletiva genuína.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, propôs convocar uma cúpula P5 para realizar uma discussão franca sobre as questões de estabilidade global.
Grandes expectativas também estão ligadas à perspectiva de um diálogo russo-americano sobre o futuro do controle de armas, cujo início foi acordado na cúpula russo-americana em Genebra.
Quando há boa vontade, encontrar soluções mutuamente aceitáveis torna-se muito real. O mundo ficou animado quando o novo governo dos Estados Unidos concordou com nossa proposta de estender o Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas sem quaisquer pré-condições.
De enorme importância foi o fato de que a declaração conjunta dos presidentes da Rússia e dos Estados Unidos reafirmou seu compromisso com o princípio segundo o qual não pode haver vencedores em uma guerra nuclear e esta nunca deve ser travada.
Uma abordagem responsável também é necessária em outras esferas de estabilidade estratégica. Desde a retirada de Washington do Tratado INF, a Rússia assumiu o compromisso unilateral de não lançar esses mísseis terrestres – nucleares ou não – em regiões onde nenhuma arma similar feita nos Estados Unidos aparecerá.
Continuamos a aguardar a resposta dos membros da OTAN à nossa proposta de proclamar uma moratória semelhante, reforçada – e gostaria de o realçar – com medidas de verificação mútua.
Entre os novos desafios e ameaças está também a intenção de alguns estados de militarizar a Internet e desencadear uma corrida armamentista cibernética. A Rússia defende um acordo sobre maneiras de garantir a segurança da informação internacional na plataforma da ONU.
Aqui, novamente, o processo não deve ser baseado em “regras especiais” de ninguém, mas sim em acordos universais que permitem aos países examinar quaisquer preocupações de forma transparente, baseando-se em fatos.
Esse é o objetivo de nossas iniciativas de elaboração de normas uniformes de comportamento responsável dos Estados no uso da tecnologia da informação e comunicação e de elaboração de uma convenção universal de combate ao crime cibernético.
Junto com o espaço digital, alguns países vêem o espaço sideral como uma área de confronto. Acreditamos que seja uma tendência perigosa e propomos proibir a colocação de armas no espaço sideral, bem como a ameaça ou uso de força no espaço. O projeto de tratado russo-chinês relevante permanece na mesa da Conferência sobre Desarmamento.
A Rússia sempre apresenta iniciativas em outras questões que requerem ação conjunta.
Hoje, vinte anos após os atrozes ataques terroristas em Nova York, o apelo do presidente Putin para formar uma ampla coalizão antiterrorista – sem padrões duplos, com base no direito internacional – é mais relevante do que nunca.
Aguardamos uma resposta à iniciativa russa de elaborar uma Convenção para a Supressão de Atos de Terrorismo Químico e Biológico.
O progresso na resolução de conflitos regionais só pode ser alcançado atuando com base no direito internacional, envolvendo todas as partes interessadas e levando em consideração seus interesses.
No Afeganistão, Líbia, Síria, Iêmen e em outros focos, todos os atores externos devem mostrar uma compreensão das especificidades culturais e civilizacionais da sociedade, rejeitar a politização da ajuda humanitária e ajudar no estabelecimento de órgãos governamentais com ampla representação de todas as principais etnias, forças religiosas e políticas dos países em questão.
Guiado por tal abordagem, a Rússia tem se empenhado de forma construtiva na promoção do assentamento afegão por meio da Troika estendida e no formato de Moscou, contribuindo para estabilizar a situação na Síria no âmbito do processo de Astana,
Os processos em andamento na região do Oriente Médio não devem deixar de lado a tarefa de alcançar um acordo palestino-israelense sustentável dentro da estrutura legal internacionalmente reconhecida, proporcionando a criação de um estado palestino independente e viável coexistindo em paz com Israel.
Defendemos o relançamento das negociações diretas entre israelenses e palestinos, galvanizando o papel do Quarteto de mediadores internacionais em coordenação com a Liga dos Estados Árabes.
A Rússia continua a contribuir para a normalização das relações entre o Irã e seus vizinhos árabes. Juntamente com nossos parceiros, buscamos o mais rápido possível a retomada da plena implementação do JCPOA para resolver a situação em torno do programa nuclear iraniano.
É necessária uma abordagem abrangente para estabilizar toda a região a longo prazo. Este é o objetivo do Conceito Russo de Segurança Coletiva para o Golfo Pérsico atualizado, que foi recentemente distribuído como um documento do Conselho de Segurança da ONU e da AGNU.
No contexto da busca de maneiras de superar as crises regionais, estamos prontos para compartilhar a experiência única da Rússia de coexistência pacífica de diferentes civilizações, religiões e culturas.
Esperamos que a Conferência Mundial sobre Diálogo Intercultural e Inter-religioso, que acontecerá em São Petersburgo de 16 a 18 de maio de 2022, produza resultados práticos substanciais. A conferência conta com o apoio do Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, e da liderança da União Interparlamentar.
Hoje, a importância das dimensões humanitária, socioeconômica e ambiental do trabalho da ONU está aumentando muito. É essencial evitar a tentação de transformar essas esferas em mais um campo de jogos geopolíticos e de concorrência desleal.
COVID-19 é nosso inimigo comum. No interesse do levantamento imediato das restrições a viagens internacionais, apoiamos o reconhecimento mútuo de vacinas que foram aprovadas por órgãos nacionais de supervisão.
É de vital importância não cessar os esforços voltados para a implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Acreditamos que as decisões adotadas na recente Cúpula dos Sistemas Alimentares da ONU promoverão o cumprimento dos ODS.
Defendemos o fortalecimento do papel central das Nações Unidas na construção da agenda de proteção ambiental com base na igualdade e no respeito pelos interesses mútuos, incluindo a devida consideração pelas realidades socioeconômicas relevantes. Caso contrário, seria difícil mobilizar todos os estados para alcançar as metas climáticas globais.
O trabalho de todos os mecanismos que podem impactar a eficiência da governança global deve estar voltado para a busca do equilíbrio de interesses. A capacidade de uma associação inclusiva como o G20, que reúne “o antigo” e “o novo” centros globais em desenvolvimento dinâmico, como o BRICS e outros com ideias semelhantes, deve ser aproveitada ao máximo.
Foi com grande interesse que percebemos a Iniciativa de Desenvolvimento Global proposta pelo Presidente da China Xi Jinping, que ressoa com nossas próprias abordagens.
A Rússia, junto com seus parceiros e aliados, apóia o fortalecimento de alianças de rede mutuamente complementares por meio do desenvolvimento de processos integrativos dentro do CIS, EAEU, CSTO e SCO.
A iniciativa do presidente Vladimir Putin de criar uma Grande Parceria da Eurásia, que também envolveria a ASEAN – o ator-chave que define as normas de comportamento na Ásia-Pacífico – traz um ímpeto positivo.
Em geral, o aspecto regional do desenvolvimento mundial está ganhando impulso. Muito dependerá de sermos capazes de redirecionar a rivalidade crescente entre as regiões para um caminho construtivo. Quem é mais importante – Europa ou Ásia? O Oceano Índico ou o Oceano Pacífico? Será criada uma “UE latino-americana”? Por que fazer da África uma arena de confronto?
O Capítulo VIII da Carta das Nações Unidas é dedicado às relações com organizações regionais. Com base nele, o Secretário-Geral reúne essas organizações todos os anos para manter uma troca de opiniões sobre questões de política global.
Acreditamos que seria muito útil dar o próximo passo neste formato e usá-lo para esboçar algumas propostas de formas de harmonizar as aspirações regionais a fim de dar uma resposta global máxima e eficaz aos desafios de nosso tempo.
Todos nós estamos no mesmo barco. Faz parte de nossos interesses comuns garantir que o barco permaneça flutuando com segurança nas ondas da política global. Somos todos diferentes, mas isso não deve nos impedir de trabalhar em benefício de nossas nações e de toda a humanidade. Só assim poderemos cumprir a honrosa missão das Nações Unidas: salvar as gerações atuais e futuras do flagelo da guerra, da fome e das doenças e construir um futuro mais pacífico, estável e democrático para todos.
Concluindo, gostaria de propor uma hashtag #UNCharterIsOurRules [#CartadaONUÉNossaRegra]
# НашиПравилаУставООН
#CharteONUEstNosLois
#CartaONUesNstrReglas
ميثاقالأم _المتحدةهو _قواعدنا #
# 联合国宪章 是 我们 的 主张