O Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão que absolveu empresas e profissionais acusados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, ocorrido em 2015. O órgão pediu a revisão da sentença e a condenação de todos os réus, alegando que grandes crimes ambientais resultam de falhas sistêmicas e organizacionais.
No dia 14 de dezembro, em decisão de primeira instância, a Justiça Federal absolveu todos os réus que respondiam no processo criminal. A decisão foi assinada pela juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6).
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No recurso, o MPF pede a condenação das empresas Samarco Mineração S/A, Vale S/A e BHP Billiton Brasil Ltda., além da empresa Vogbr Recursos Hídricos e Geotecnia Ltda. e mais seis executivos e técnicos. São apontados os crimes de inundação, poluição com resultado morte e danos a unidades de conservação.
O rompimento da barragem, situada no município de Mariana (MG), aconteceu no dia 5 de novembro de 2015. Na ocasião, cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos escoaram pela Bacia do Rio Doce. Dezenove pessoas morreram e uma mulher que estava grávida, resgatada com vida, sofreu um aborto. Houve impactos para as populações de dezenas de municípios até a foz do Rio Doce, no Espírito Santo.
RESPONSABILIDADE
Conforme argumenta o procurador da República Eduardo Henrique de Almeida Aguiar, responsável pelo recurso, os crimes ambientais não ocorrem pela conduta de uma pessoa isolada, mas, em regra, pela atuação de uma grande empresa, com complexa estrutura organizacional, nas quais várias pessoas colaboram – algumas com mais poder de decisão, outras meramente executando ordens, buscando desenvolver a atividade-fim da empresa. O procurador aponta que as falhas individuais nas competências de determinadas pessoas são responsáveis pelo resultado e suficientes à demonstração da causalidade pelo aumento do risco.
“É com este paradigma que deve ser analisada a responsabilidade individual nos delitos praticados no seio de grandes empresas, de estrutura complexa, como a Samarco, buscando identificar as pessoas naturais que falharam em suas competências permitindo o rompimento da barragem de Fundão”, pontua o recurso.Para o procurador, diferente do que entendeu o juízo de primeira instância, o MPF teve êxito em comprovar que todos os réus, na posição de garantidores, omitiram-se e que as suas omissões incrementaram o risco da operação da barragem, levando aos resultados lesivos ao meio ambiente e às populações.
CONTESTAÇÃO
No recurso, o MPF contesta todos os pontos que, na visão do órgão, foram interpretados de forma errada e levaram à absolvição incorreta dos acusados. Entre os problemas apontados, está o recuo do eixo da barragem, que foi elevado várias vezes sobre uma área menos estável (composta por lama) por um longo período, sendo essa uma das causas do rompimento da barragem de Fundão. Além disso, o MPF destaca que os gerentes da Samarco, acusados no caso, não corrigiram o recuo, mesmo após recomendação clara dos consultores. No entanto, a decisão de primeira instância afirmou, de forma “inexplicável”, segundo o MPF, que não havia ligação entre essa omissão e os danos causados. “Em outras palavras, a sentença afirmou a causalidade e a imputação objetiva, mas, na sequência, contrariando sua fundamentação, negou a causalidade”, defende o MPF.
Além disso, o MPF lista 22 pontos que demonstram a omissão dos acusados ao longo dos anos, como a não realização dos estudos de suscetibilidade à liquefação, o aparecimento de trincas, a construção de berma de equilíbrio subdimensionada e a não retificação do eixo de um dos diques da barragem, recomendados por um grupo de especialistas que avalia tecnicamente e de forma independente as estruturas de armazenamento de rejeitos e das barragens.
“Por tudo isso, resta demonstrado que a paralisação ou desativação da barragem tão logo quando percebidos seus problemas estruturais (ou mesmo a retificação do eixo e a construção de uma berma mais robusta, calculada a partir de metodologia que considera a condição não drenada, como sugere a sentença) evitaria ou mitigaria, com uma probabilidade próxima da certeza, o resultado, ou ao menos, o adiaria”, aponta o recurso.
O recurso também abordou outras questões, como a anulação das declarações pré-processuais prestadas pelo projetista da barragem de Fundão. No entendimento do MPF, a anulação foi injustificável. Outra questão foi a aplicação do princípio da consunção (conceito jurídico do direito penal que estabelece que, em situações de dois crimes relacionados, um pode absorver o outro) na relação entre os crimes de poluição e o de danos à unidade de conservação, ambos previstos na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), uma vez que o MPF julga incabível a análise em abstrato, tal como se deu na sentença.
No que se refere à responsabilidade penal das pessoas jurídicas, o MPF defende, em seu recurso, a aplicação da teoria da autorresponsabilidade, que considera que a empresa possui culpabilidade própria, permitindo a responsabilização da pessoa jurídica de forma independente da responsabilização ou não das pessoas naturais envolvidas.
CONDENAÇÃO
O MPF pede a reforma da sentença e a condenação dos réus por diversos crimes ambientais e outros relacionados à gestão de risco. Os crimes incluem poluição ambiental, destruição de fauna e flora, e causar dano à saúde humana ou ao meio ambiente, com agravantes devido à negligência e omissões que levaram ao rompimento.
Os dois diretores e os três engenheiros da Samarco denunciados respondem por crimes como poluição qualificada e destruição de recursos naturais. Já as empresas Samarco Mineração S.A., Vale S/A e Vogbr Recursos Hídricos e Geotecnia Ltda, além de um engenheiro da Vogbr, são acusados do crime de emissão de laudo ambiental falso e de terem responsabilidade por danos ambientais.
As empresas Samarco Mineração S.A., Vale S/A e BHP Billiton também respondem pela prática de poluição ambiental, destruição de ecossistemas e atos que resultaram em grave risco à saúde e à segurança pública. O MPF reforça ainda a incidência de agravantes devido à gravidade das omissões, aos danos em larga escala e à violação de normas ambientais.