Para diminuir a importância da pandemia, só faltou os generais do governo – que não sabem o que é uma guerra desde 1945 – dizerem que ela matou mais do que o coronavírus
Na sexta-feira (15), dois representantes do governo Bolsonaro, os generais Braga Neto e Luiz Eduardo Ramos, afirmaram, em entrevista coletiva no Palácio do Planalto, que o número de 15 mil brasileiros que perderam a vida em menos de três meses, vítimas do coronavírus, o maior desastre sanitário mundial das últimas gerações, “não é um número tão alto assim”.
“Estão exagerando e fazendo um drama para aterrorizar a população”, afirmaram.
A base para a absurda conclusão apresentada por eles foi a comparação com o número de mortes causadas por outras doenças e eventos e também a comparação com as mortes ocorridas em outros países. O general Ramos chegou a citar os óbitos por Doença de Chagas, doenças do sistema cardiovascular e os acidentes de trânsito como exemplos de eventos que matariam mais do que a Covid-19.
Só faltou os generais, que não sabem o que é uma guerra desde de 1945, citá-las como exemplos de eventos que poderiam matar mais do que a Covid-19. Sem esquecer, é claro, que nos EUA, modelo para Bolsonaro, o vírus já matou em três meses mais americanos do que todos os dez anos da Guerra do Vietname.
O esforço de adaptação ao negacionismo de Bolsonaro por parte dos dois generais, realmente, foi constrangedor. Comparar uma doença que tem pouco mais de três meses de existência e já matou mais de 300 mil pessoas no mundo e tirou a vida de 15 mil brasileiros, com uma doença crônica e endêmica, como a Doença de Chagas, que, segundo a Organização Mundial da Saúde, mata, em toda a América Latina, cerca de 14 mil pessoas por ano, é patético.
Mais ridículo ainda é comparar, como fez o general Ramos, com a doença cardiovascular, que atinge quase toda a população adulta, fruto dos hábitos nocivos da modernidade, e que mobiliza bilhões de recursos para combatê-la em todo o planeta.
Ou, mais desconcertante ainda, é levantar a tragédia das milhões de mortes por violência ou acidentes de trânsito no país, um verdadeiro genocídio da juventude e da força de trabalho, para diminuir a importância da letalidade do novo coronavírus. Realmente é tudo muito triste, tanto os acidentes quanto a falta de ar do coronavírus.
O Brasil infelizmente já está entre os seis países do mundo com o maior número de mortos pela Covid-19. E o pior é que estamos assistindo a uma aceleração a cada dia do número de mortos – já estamos na casa dos 800 por dia -, mas isso é minimizado pelos funcionários de Bolsonaro. Eles preferiram buscar a comparação das mortes em proporção à população para dizer que o Brasil não está tão ruim assim. Só que, mesmo fazendo isso, as comparações são ruins.
Na Argentina são 329 mortos no total e 7,3 óbitos a cada milhão de habitantes. O país entrou em quarentena geral em 20 de março, quando tinha 158 casos da doença. A medida foi prorrogada até dia 24 deste mês.
No Brasil, com 15 mil mortos são 71,4 óbitos a cada milhão de habitantes. Não há uma estratégia única quanto ao isolamento no país. Bolsonaro defende que apenas idosos e doentes crônicos fiquem em casa, enquanto governadores decretam quarentena horizontal em alguns Estados e municípios.
Na Suécia são 3.460 mortos e 342,6 óbitos a cada milhão de habitantes. O país contraria a posição mundial, mantendo as escolas abertas e adotando restrições mais brandas às atividades comerciais.
Realmente diversos países que estão piores do que o Brasil não adotaram inicialmente nenhuma medida de isolamento social. Foi o caso da Inglaterra, dos Estados Unidos, da Itália – que chegou a pedir perdão por seus erros -, e da própria Suécia, que Bolsonaro, inclusive, citou como exemplo, e que atingiu o índice mais alto de mortes entre os países escandinavos. Mais até do que todos eles juntos.
O Brasil está numa posição intermediária exatamente porque, mal ou bem, conseguiu adotar, apesar da sabotagem de Bolsonaro, algum grau de isolamento social. Quem não o fez rapidamente, pagou um preço alto por isso. Esses países que resistiram a proteger a população não devem servir de exemplos para o Brasil.
Ou seja, tanto na comparação com outras doenças, como o cotejamento com outros países, o Brasil se mostra numa má situação. E, pior, com a epidemia totalmente fora de controle. Usar esses pretextos para dar força à campanha negacionsita de Bolsonaro pelo afrouxamento das medidas de proteção à população brasileira é colaborar com o verdadeiro genocídio que está em curso no país.
Se levarmos em consideração os limites impostos – inclusive pelos cortes e sabotagem aos investimentos – pelo governo ao sistema de saúde, o drama da população fica ainda mais evidente.
Não é possível que os funcionários de Bolsonaro não se sensibilizem nem um pouco com as cenas de pessoas esperando na fila por um leito de UTI.
Todos nós sabemos que não existe uma fila para leito de UTI. Ou se interna rapidamente ou a morte é certa.