O HP entrevistou nesta terça-feira, 8, Eduardo Assunção, o Chicão, presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo e membro da executiva nacional da Força Sindical, sobre a Medida Provisória sobre a privatização da Eletrobrás, que tem validade, caso não seja votada no Senado, até o dia 22 de junho.
Chicão é da nova geração de dirigentes sindicais paulistas, tem 48 anos e esteve à frente da greve geral contra a reforma da Previdência do governo Bolsonaro. Ele prevê que a privatização será um desastre: “Já sentimos na pele que toda privatização do setor elétrico trouxe queda na qualidade do serviço e aumento das tarifas”.
O líder sindical lembrou que “na crise da pandemia, no quarto trimestre de 2020, a Eletrobrás lucrou R$ 1,27 bilhão, 40% menos que no quarto trimestre de 2019, quando atingiu R$ 2,27 bilhões. Avaliou que “a privatização vai espantar o que resta de indústria no Brasil”. Considera que “os lucros das empresas superavitárias do setor elétrico deveriam ser investidos pelos governos federal e estaduais em energia limpa e não em termelétricas. E concluiu: “A Eletrobrás possui 48 usinas hidrelétricas, 12 termelétricas a gás natural, óleo e carvão, duas termonucleares, 62 usinas eólicas e uma usina solar. Tem 71.153,60 km de linhas de transmissão, quase metade do total do país: A privatização é uma doação de mão beijada”.
Veja abaixo a íntegra da entrevista, com Carlos Alberto Pereira:
HP – Em plena CPI da pandemia, que desmascara no dia a dia do povo brasileiro o governo genocida de Bolsonaro, Guedes atropela o Senado e coloca em discussão a privatização da Eletrobrás, criada por Getúlio, e responsável pela geração de 30% da energia do Brasil. Qual a sua opinião sobre a privatização da Eletrobrás?
Chicão – É um desastre. Primeiro vai espantar a indústria. Vão acabar com o que resta da indústria no país. Em toda privatização o preço da energia aumentou. Quando é privado, o lucro vai para o acionista. Nunca vi o setor privado fazer uma usina. Eles querem chegar e pegar o que foi mobilizado pelo Estado e tirar lucro em cima disso. Os caras não investem a longo prazo. Querem usurpar o que é público. A privatização é um escárnio. Eu não sou contra a iniciativa privada no setor elétrico. Desde que peguem o fluxo d’água de um rio, formem um lago, criem uma usina, gerem energia, emprego e aí tirem seu lucro. Não! Eles querem pegar o que já está gerando energia, cumprindo seu objetivo social e tirar o lucro.
Já sentimos na pele, e no bolso, que após a privatização da maioria das distribuidoras de energia elétrica a qualidade dos serviços caiu. A conta de luz ficou muito mais cara. Entendemos que sempre se deve buscar a maior eficiência do Estado e das empresas públicas, para melhor atender a população, mas essa visão não pode ser usada como desculpa para entregar nosso patrimônio de mão beijada para a iniciativa privada.
E tem uma questão que considero grave. A MP obriga a compra de energia de termelétricas em locais que não existem nem os gasodutos (DF, MA), isso cheira direcionamento para favorecer “amigos ou aliados”.
HP- Quais as vantagens para o país da Eletrobrás estatal?
Chicão – Hoje, a Eletrobrás é um balizador de preços. Impede a formação de cartel. Serve como um lastro. Levou energia a locais que não há interesse do setor privado. Se dependesse do setor privado, não tínhamos saído da orla marítima. Não tinha Brasília, nem Mato Grosso. A estatal não precisa ter lucro exorbitante. Pega o Nordeste, o “Luz Para Todos”. A Bomba enche caixa d’água, o nordestino do sertão pode ter geladeira, não precisa salgar a carne, tem luz à noite. A Eletrobrás fez isso porque é pública.
HP – Então privatizar a Eletrobrás é um crime?
Chicão – A Eletrobrás possui 48 usinas hidrelétricas, 12 termelétricas a gás natural, óleo e carvão, duas termonucleares, 62 usinas eólicas e uma usina solar, tem 71.153,60 km de linhas de transmissão, quase metade do total do país. Produz 30% da energia gerada no Brasil. A empresa vem dando superávit ano após ano e, justamente por ser uma estatal, ela reinveste este resultado positivo justamente nestes programas que eu estou falando, de enraizamento do setor elétrico em áreas que não têm energia elétrica. O privado vai pegar o lucro e remeter dividendos para os acionistas.
O que eles estão preparando com a privatização é entregar esse patrimônio que é extremamente lucrativo e que o lucro é reinvestido no Brasil. O resultado no 4º trimestre de 2020 foi R$ 1,27 bilhões, isso na crise da pandemia, com queda de 44% em relação ao 4º trimestre 2019, que foram R$ 2,27 bilhões.
HP – Uma empresa estatal do porte da Eletrobrás não vale só pelo lucro que dá como estatal, mas pelo patrimônio que tem e pelos serviços que presta para o país. Tudo isso deveria ser avaliado no preço. A Vale do Rio Doce, por exemplo, foi vendida – na verdade foi doada – pelo lucro que obteve no primeiro ano de privatizada. E a Eletrobrás?
Chicão – Eletrobrás não é só energia. Você forma grandes lagos quando represa. O que fica embaixo é do domínio da empresa usina. Então não é só a usina, é o lago. Furnas, por exemplo. Todo mundo já ouviu falar do Capitólio, que é extremamente conhecido e todo mundo quer ir lá para turismo, para andar de barco. Tem cachoeiras maravilhosas. São, mais ou menos, 35 municípios em volta que vivem do turismo. Além disso, os lagos são usados para captação de água. Isso vai dar um choque muito grande de interesses.
HP – Dá um exemplo.
Chicão – Você pega a Billings aqui em São Paulo. A EMAE (Empresa Metropolitana de Águas e Energia) é uma empresa estatal de geração de energia. A SABESP pega água para captação. Então tem que ter um entendimento para não faltar nem para um nem para outro. Na hora que tiver na mão do setor privado você acha que ele vai facilitar para o governo, para a população? Olha, vai faltar água para a SABESP. E o Dória quer privatizar a EMAE. Não vai ter acordo. A empresa é da EMAE, não é da SABESP. Se bobear o setor privado ainda vai morder algum da SABESP para usar água da represa.
Tem outros reflexos que não estão na conta da energia, que estão nas bacias hidrográficas formadas pelas represas das usinas. Quem manda na represa é quem comprou a usina. Se bobear, ainda vai ter aumento na conta de água. Tem outros reflexos. O novo dono não quer pagar por isso, mas vai querer cobrar. Outro exemplo, a CTG que comprou a Rio Paranapanema.
Tudo que está em volta é dela, turismo, piscicultura, hidrovias, abastecimento de água, essa conta vai para o bolso do consumidor. Isso é muito grave. O governo está sendo inconsequente. Ele sabe disso, por isso não coloca esse debate na população. Sabe que aí ela fica contra. Porque essa conta vai para o bolso do povo.
HP – E você tem mais exemplos?
Chicão – Tudo isso tem conflito de interesses. Eu vou dar mais um exemplo. Hidrovia. Aqui em São Paulo tem a Usina de Três Irmãos, no Rio Paraná. Ela tem um braço. Se gerar muita energia seca o braço e não passam as barcaças. Afeta até a segurança alimentar. O custo do transporte de alimentos, que vem do Mato Grosso para cá, fica muito mais barato, usando uma parte o transporte de hidrovia e os caminhões fazendo o resto do caminho.
Como usaram muita água e o nível baixou, não dava para as barcaças passarem. Teve que fazer a volta com os caminhões. O custo do alimento aumentou por causa disso. Outro ponto de segurança alimentar é que o governo subsidia a geração noturna de energia para agricultura, para fazer irrigação. Você acha que alguém do setor privado vai fazer tarifa social para irrigação à noite? Aí é o alimento mais caro para o povo.
HP – As tarifas estão caras.
Chicão – A geração de energia hidráulica é a mais barata que tem. A água é de graça. Como disse, caras são a transmissão e a distribuição privatizadas. Além disso, o governo força preços mais caros pelo uso de termelétricas, de combustível fóssil para os períodos de estiagem.
HP – Tem outro jeito?
Chicão – Tem outros meios. Pode regulamentar energia solar. Você poderia instalar sua geradora e o que sobrasse virava crédito e servia para alimentar a rede durante a estiagem. Só que estão querendo tributar o que você gerou. O que é barato fica caro.
O governo Federal e os governos estaduais tinham o dever de pegar o superávit das empresas de energia que são superavitárias e reinvestir em energia limpa, renovável. Em vez de ficar alimentando o parque de termelétricas e fazendo lobby político deviam ir tirando energia suja e trocando por energia mais barata e limpa, como a eólica, fotovoltaica, cinética, usando a ondulação do mar, e olha o tamanho de nossa orla. Investiria esse superávit em energia mais barata e limpa. E tudo isso favoreceria a população a médio e longo prazo. Em vez de entregar para a iniciativa privada o lucro da empresa, reinveste esse lucro para desenvolver a reindustrialização e o desenvolvimento do país.