Brecha na lei sancionada pela então presidente Dilma Rousseff em novembro de 2011 tem sido explorada por sucessivos governos no sentido contrário, com o objetivo de ocultar dados
Às vésperas de completar 10 anos, a LAI (Lei de Acesso à Informação), Lei 12.527, publicada em 18 de novembro de 2011 — mas só começou a valer a partir de maio de 2012 —, segundo investigação do jornal GLOBO, o governo federal, sob Bolsonaro, inverteu a tendência em termos de transparência.
Bolsonaro, que já tentou no primeiro mês do mandato aumentar o número de servidores que poderiam classificar documentos como confidenciais, chega ao terceiro ano de gestão com indicadores piores do que os dois antecessores — os ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).
O decreto sigiloso sobre documentos — como a sindicância sobre a ida do general Eduardo Pazuello a evento político —, também se tornou expediente rotineiro. A maioria dos ministérios da atual gestão apresenta queda nos índices que medem a eficácia da LAI em responder aos pedidos de informações apresentados por qualquer cidadão.
APLICAÇÃO MENOR DA LEI
A lei foi aprovada em novembro de 2011 e entrou em vigor seis meses depois.
De janeiro de 2019 a agosto de 2021, 16 das 23 pastas têm taxa de aplicação menor em relação ao que aconteceu sob a liderança de Dilma, entre maio de 2012 e maio de 2016, quando a presidente foi afastada do cargo durante o processo de impeachment.
No mesmo período adotado para fins de comparação, 15 dos órgãos aumentaram o percentual de pedidos rejeitados no atual governo.
‘ATUAL GOVERNO AMEAÇA IDEIA DE INFORMAÇÃO VERDADEIRA’
Responsável pela implementação da LAI no governo federal a partir de 2011, o ex-ministro da CGU (Controladoria-Geral da União) Jorge Hage afirma que, em 10 anos, houve progressos.
Mas ele ressalta que o maior problema, hoje, não é ter mais transparência, mas evitar a disseminação de informações falsas. Para Hage, o governo Bolsonaro coloca em risco a transparência e a ideia de informação real.
SONEGAÇÃO DE INFORMAÇÕES RELEVANTES
Na reta final da CPI da Covid-19 no Senado, no início de outubro, a comissão aprovou requerimento em que dava ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, 48 horas para responder questões sobre o PPI (Plano Nacional de Imunização) de 2022 e a retirada da vacina CoronaVac das novas fases de vacinação a partir do próximo ano.
O ministro, simplesmente, não respondeu à CPI, encerrada em 26 de outubro.
O requerimento fora apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), como alternativa após os membros da comissão desistirem de ouvir Queiroga presencialmente pela terceira vez.
No pedido, os senadores requereram ao titular da pasta que esclarecesse detalhes do programa de acompanhamento epidemiológico, em substituição ao Epicovid-19 (estudo ou levantamento técnico sobre a contaminação do vírus) e apontasse os membros da equipe técnica responsável pelo acompanhamento do contexto da pandemia e pela formulação de políticas públicas.
INTRANSPARÊNCIA
Só daqui a 100 anos, no longínquo 2121, os brasileiros poderão saber se o então presidente Jair Bolsonaro se vacinou ou não contra a Covid-19 em meio à pior crise sanitária do século.
Também só dentro de um século, a sociedade terá direito a saber quantas vezes os filhos mais velhos de Bolsonaro, todos parlamentares e pessoas públicas com papel ativo no governo, tiveram acesso ao Palácio do Planalto.
Estes sigilos centenários, determinados pela gestão Bolsonaro este ano, têm como base a LAI.
A legislação é (ou era) considerada um marco no sentido de conferir transparência à gestão pública no Brasil, e é utilizada pela sociedade civil e pela imprensa para ampliar a fiscalização sobre os poderes, garantindo o acesso a documentos e informações de interesse da sociedade.
Brecha na lei sancionada pela então presidente Dilma Rousseff em novembro de 2011 tem sido explorada por sucessivos governos no sentido contrário, com o objetivo de ocultar dados.
A pergunta que fica ou que não quer calar é: por que o governo quer manter sob sigilo informações que dariam mais segurança para o Poder Executivo e a população?
M. V.