Amplos setores da sociedade estão manifestando sua reprovação à não punição ao general que transgrediu o Código de Disciplina do Exército ao comparecer a comício político
Prossegue a repercussão política da decisão do comando do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello por transgredir o Código de Disciplina da corporação e comparecer a um comício político de Jair Bolsonaro. Parlamentares e personalidades consideram necessário um amplo movimento de todos os democratas brasileiros para impedir qualquer ataque à democracia.
A alegação de Pazuello de que não participou de ato político, ao subir em um palanque, formado por um trio elétrico, em apoio à reeleição de Bolsonaro – inclusive tendo discursado no evento, foi considerada, por muitos oficiais-generais, um escárnio à instituição militar.
O comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, anunciou em nota que não irá punir o general e ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, por ter participado de manifestação com Bolsonaro e disse que entende que não foram transgredidas as normas do Estatuto das Forças Armadas e do Regulamento Disciplinar do Exército.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Pandemia, afirmou que “há diferença grande entre os movimentos sagazes da guerra: a retirada e a capitulação, que é a rendição ao inimigo. Quero crer que a decisão do comando do Exército é movimento de retirada, de recuo, não de capitulação”.
“Tenho certeza de que os comandantes não vão se render na guerra pela democracia. É um movimento tático para poupar forças para a batalha final contra os golpistas e inimigos da Constituição’, acrescentou o parlamentar.
O presidente nacional do Cidadania, ex-deputado Roberto Freire, disse que a decisão é temerária. “Sei não, mas é uma decisão no mínimo temerária para o Brasil que sofre escalada golpista de Bolsonaro. Há riscos evidentes quanto à disciplina e politização das FFAA [Forças Armadas]”, disse ele.
O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, condenou a decisão e disse que “está na hora da Câmara discutir a PEC da deputada Perpétua Almeida, que veda aos militares da ativa a ocupação de cargo de natureza civil na administração pública. Já assinei meu apoiamento”.
O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid, não quis comentar. “A decisão do Exército é interna e administrativa. Não me cabe avaliar, assim como não caberia a qualquer instância do Exército avaliar decisões do âmbito do Senado. Assim deve ser o estado democrático: com autonomia e equilíbrio entre as instituições que o integram”, afirmou em nota.
O presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo, afirmou que “nenhum país pode prescindir de regras nas Forças Armadas”. Para Kassab, o ato com Jair Bolsonaro em 23 de maio foi político e, portanto, não há nenhuma justificativa plausível para ter livrado o ex-ministro da Saúde. “Os mais generosos podem dizer que há um impasse. Os mais críticos estão vendo que a situação chegou a um nível temerário. Eu me incluo no grupo dos mais críticos”, disse Kassab. “Quero entender a decisão de hoje como um recuo tático. Tenho certeza que no momento decisivo estaremos todos juntos em defesa da Constituição, da democracia e da nossa pátria”, afirmou.
“O regulamento disciplinar do Exército classifica como transgressão “manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”, disse Kassab. “Não é possível que as pessoas não entendam que foi um ato político. O presidente tem todo direito, mas quem está na ativa não pode participar. Há um impedimento claro. Como ficaremos daqui para frente?”, completou o presidente do PSD.
Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa,do governo Michel Temer, disse que “a capitulação de hoje não honra os ex-comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e do ex-ministro da Defesa, que não se dobraram ao presidente e caíram por respeito à Constituição e à democracia, com quem as Forças Aramadas permanecem” “Mas é hora de reagir e de unidade. Antes que seja tarde”, conclamou.
“A capitulação de hoje não honra os ex-comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e do ex-ministro da Defesa, que não se dobraram ao presidente e caíram por respeito à Constituição e à democracia, com quem as Forças Aramadas permanecem”, disse Jungmann, último ministro civil a chefiar a Defesa, ainda no governo Michel Temer. “Mas é hora de reagir e de unidade. Antes que seja tarde”, disse o ex-ministro.
O ministro Marco Aurélio Mello, decano do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou que “o sentimento é de perplexidade” após o comando do Exército decidir livrar o general da ativa Eduardo Pazuello de punição por ter participado de um ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro. “Disciplina e hierarquia são fundamentais nas Forças Armadas”, disse o ministro. Marco Aurélio acrescentou que não se pode ainda mensurar o impacto que a decisão do Exército terá, mas a classificou de um “preocupante precedente”.
O senador Otto Alencar (PSD-BA) avaliou que o comando atendeu ao que queria o presidente. Bolsonaro pressionou o Exército para não punir Pazuello. “Já era esperado, porque o presidente da República é o comandante-chefe das Forças Armadas. Eu acho que o Exército obedeceu as ordens do presidente da República. Se isso compromete a imagem do Exército ou não, não sei, acho que deve comprometer. Mas não vou me envolver no que não é minha parte. O comandante do Exército obedeceu o que determinou o presidente”, avaliou o senador pela Bahia.
O ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes (PDT) afirmou que “é muito grave o que tem de explícito e implícito na decisão do comandante do Exército de não punir o general Pazuello por sua clara participação em um ato político-partidário”.
“O regulamento disciplinar do Exército é muito claro: nenhum militar da ativa pode participar de ato desta natureza. O ato de Pazuello foi igualmente claro no que teve de afrontoso e politicamente desavergonhado. Sob que ótica, então, senão a do estímulo à anarquia e a da quebra da ordem institucional, o comando da força fecha os olhos a tal atitude? Vivemos hoje um dia anti-histórico. Que clama reflexão, atenção e repúdio das forças vivas da nação”, destacou Ciro.
A deputada Perpétua Almeida (PC do B-AC) afirmou que a política não pode entrar nas FFAA. “A sensação de que não se sabe mais onde termina o governo e começa o Exército, é o que pode acontecer de pior para esta Instituição e as demais Forças Armadas”, disse ela. “Quando a política entra por uma porta do quartel, a disciplina e a hierarquia saem pelas outras”, já dizia Vilas Boas”, acrescentou Perpétua Almeida.
Para Rodrigo de Castro, líder do PSDB na Câmara, a decisão do Exército de não punir o ex-ministro da Saúde, general da ativa, por participação em ato com Bolsonaro é “exceção inexplicável.” “Aprendi em minha vida familiar duas lições que julgo fundamentais também na vida pública: regras são para todos e o exemplo vem de cima”, escreveu o tucano. “Ao arquivar o processo disciplinar aberto contra o ex-ministro Pazuello, o Exército abre uma exceção inexplicável e põe em risco a hierarquia, base de sustentação da própria instituição”, acrescentou o deputado.
O deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) afirmou que “a subordinação do Exército ao presidente e não ao Estado brasileiro assim como a bolsonarização das polícias são um grave passo na escalada autoritária do governo Bolsonaro. Estamos diante de uma ameaça perigosa à já frágil estabilidade institucional e à democracia.” Já o presidente nacional do Partido Novo, João Amoedo, disse que a decisão de não punir Pazuello “é precedente perigoso”.
O atual vice-presidente da Câmara dos Deputados, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), também criticou a decisão. “O Exército não decidiu arquivar a denúncia contra Pazuello. O Exército decidiu que agora militar pode participar de manifestações políticas como bem entender. Isso não será bom para uma instituição que tem o respeito do povo brasileiro”, avaliou.
Para o ex-ministro da Defesa, Aldo Rebelo, a ausência de punição pode abrir uma brecha para que irregularidades sejam cometidas por membros de outras patentes das Forças Armadas. “Ao não punir o general Pazuello por subir num palanque e fazer proselitismo ao lado do presidente, o Exército mostra que não constitui uma disciplina nem mesmo uma hierarquia. Enquanto os demais representantes (do Exército) receberam essa notícia como uma espécie de habeas corpus preventivo para cometer a mesma indisciplina. As consequências disso, como dizia o sábio Conselheiro Acácio, de Eça de Queiroz, vêm depois”, disse o ex-ministro.
O líder da oposição na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), afirmou que “ao decidir não punir Pazuello, o Exército erra e deixa margem para que outros atos de desrespeito a seu regulamento sejam praticados, colocando em risco seus pilares, a hierarquia e a disciplina. Exército é instituição de Estado, não de governo.”
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que a “hierarquia e disciplina são os pilares do funcionamento das instituições militares, consagrados pela nossa Constituição. A insubordinação a esses princípios leva à anarquia e ameaça o funcionamento do Estado Democrático de Direito”.
O senador Veneziano Vital do Rego (MDB-PB), vice presidente do Senado, afirmou que “é inaceitável que Pazuello não tenha sido punido. Até o vice-presidente Hamilton Mourão, general da reserva, defendeu a regra que veda participação de militares da ativa em atos políticos para ‘evitar que a anarquia se instaure’ dentro das Forças Armadas.”
O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) disse que “neste caso, a minha preocupação era que o Exército tomasse uma decisão corporativa como acabou tomando. Por isso entrei, junto com outros deputados, com representação na Justiça Militar pedindo ao órgão q abra processo disciplinar contra general Pazuello.”
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) considerou gravíssimo. “Não há dúvida que Pazuello participou de ato político e quebrou as regras de disciplina e hierarquia do Exército. Ao ceder a Bolsonaro e aceitar a imposição da desordem, o comando trincou o mais importante estamento militar. As consequências podem ser trágicas”, disse o parlamentar.
O deputado Fábio Trad (PSD-MS) também criticou a decisão. “Quem diria que o Exército de Duque de Caxias e Marechal Rondon fosse um dia se reduzir ao exército de um político de palanque chamado Eduardo Pazuello! Deprimente!”, afirmou.
OAB: HORA É DE RESPOSTAS FIRMES PARA IMPEDIR RETROCESSOS INSTITUCIONAIS
Em nota, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, alertou que a situação é grave e exige respostas firmes para que a ordem institucional seja mantida. Leia a íntegra:
“A lei estabelece claramente que a hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. Não é raro ouvir declarações públicas dos comandantes militares de que ‘quando a política entra pela porta da frente num quartel, a hierarquia e a disciplina saem pela porta dos fundos’. Pois a decisão de hoje escancarou as portas, ao não punir um general da ativa que participou de um evento político, em clara afronta à disciplina e ao que determina a lei. A partidarização das Forças Armadas ameaça a democracia e abre espaço para a anarquia nos quarteis. A grave situação do país exige das instituições respostas firmes para impedir retrocessos e quebra da ordem institucional”.