Ineficácia da cloroquina é “ponto pacificado”, declarou a infectologista na CPI da Pandemia. A médica Luana Araújo foi vetada pelo governo por ser contra o chamado “tratamento precoce”
Ao responder à senadora Leila Barros (PSB-DF) – que classificou a sua demissão do Ministério da Saúde de “lamentável veto” – a infectologista Luana Araújo refutou as “teses” bolsonaristas de que as críticas ao uso de cloroquina e outras medicações ineficazes contra a Covid-19 são fruto de uma “conspiração”.
“A senhora acha que possa haver uma grande conspiração para denegrir a imagem de medicamentos que não são eficientes no combate à pandemia por força de algum outro interesse que não seja salvar vidas?”, questionou a senadora.
“Eu considero essa hipótese absolutamente fantasiosa”, respondeu Luana Araújo.
“Acho que as teorias conspiratórias se tornaram perigosas ao longo do tempo muito porque as pessoas que as criam ou as alimentam se outorgam uma importância e nem sempre é real”, continuou.
“Os dados que a gente tem são muito claros (contra a cloroquina)”
“Se a gente deixar essas coisas de lado e olhar para os dados científicos – e é isso que eu sempre me volto… porque, veja senadora, tudo é hipótese, nessa vida, tudo é hipótese e a ciência pode estudar todas as coisas. Só é preciso estudar para entender qual é o mecanismo para estudar determinada hipótese”, prosseguiu.
“Mas ainda que essa hipótese fosse uma hipótese a ser levantada, uma das coisas que precisamos fazer é olhar para os dados que a gente tem mãos e entender se esses dados corroboram ou não a hipótese que lhe é colocada”.
“E infelizmente os dados que a gente tem são muito claros (contra a cloroquina). E é por isso que eu disse aqui várias vezes que essa discussão é completamente anacrônica e extremamente contraproducente”.
“Veja, a senhora (senadora Leila Barros) estava lá trabalhando, era necessária, numa outra comissão, eu estou aqui, os senadores estão aqui e nós estamos discutindo algo que é ponto pacificado. Nós poderíamos, todos poderíamos estar trabalhando em coisas mais úteis e não estamos”, assinalou.
Ela respondeu ainda que a defesa por Bolsonaro de tais medicamentes ineficazes “produz claramente” uma a falsa sensação de segurança na população. “É muito mais fácil medicalizar tudo. Então eu dou um remédio, uma pílula qualquer, pronto, está funcionando!”, ironizou.
“Não podemos gastar tanto tempo, tanta energia e dinheiro em algo que é comprovadamente ineficaz”
“Não podemos gastar tanto tempo, tanta energia e dinheiro em algo que é comprovadamente ineficaz”.
Luana Araújo é graduada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e epidemiologista mestra em saúde pública pela Universidade Johns Hopkins (EUA).
NEOCURANDEIRISMO
No começo da sessão da CPI, ela foi questionada pelo relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL).
“Vimos que o ministro Marcelo Queiroga [Saúde] depositou muita esperança na nova secretaria e em v. sa. também, claro. No entanto, em redes sociais, v. sa. manifestou-se contrariamente à adoção do chamado ‘tratamento precoce’, classificando o uso de medicamentos como a hidroxicloroquina como “neocurandeirismo, iluminismo às avessas, Brasil na vanguarda da estupidez mundial”, citou o relator da CPI da Covid-19, senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Renan perguntou: “essa divergência em relação à posição do presidente da República foi o motivo de sua saída do ministério, como foi o caso, por exemplo, do ministro Teich?”.
“Senador, eu acho que essa pergunta deve ser direcionada especificamente ao ministro Marcelo Queiroga”, disse Luana Araújo.
“A minha posição pública, absolutamente pública, ela [essa] não é uma opinião. Veja bem, na medicina, a gente tem opinião até o momento em que substituímos essa opinião por evidências. As evidências tiram da responsabilidade individual do profissional um juízo de valor sobre aquela situação. Então, é preciso compreender como funciona o processo científico para que você consiga dizer isso”, asseverou.
Indicada para assumir a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, órgão criado no âmbito do Ministério da Saúde, pelo ministro Marcelo Queiroga, assim que assumiu a pasta, em 23 de março, a médica trabalhou por cerca de 10 dias à frente da Secretaria, mas acabou não sendo nomeada, porque o nome dele não foi aprovado pelo governo.
VETO
Durante a fase de perguntas feitas pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL), o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), fez questão de lembrar os possíveis motivos para o veto à médica nas instâncias de governo.
“Acredito, que, pelo seu posicionamento, o motivo foi político”, apontou Aziz.
Luana Araújo, no ano passado havia chamado o “tratamento precoce”, uma defesa e posicionamento do governo Bolsonaro, de “neocurandeirismo e iluminismo às avessas”. No entanto, ela declarou que ao ser convidada para integrar o ministério por Queiroga nunca debateu esse assunto com o ministro.
“Ele é um homem da ciência”, afirmou. Para a médica, ao contrário do afirmado por Nise Yamaguchi na terça-feira à CPI, o debate atual sobre o chamado “tratamento precoce” é claro e transparente quando aponta a falta de resultados.
MEDIDAS NÃO FARMACOLÓGICAS
“Essa é uma discussão delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente”, disse ao ser questionada por Renan se havia conversado com o ministro sobre “tratamento precoce”, medidas não farmacológicas.
“Quando eu disse que há 1 ano atrás nós estávamos na vanguarda da estupidez mundial, eu, infelizmente, mantenho isso em vários aspectos, porque nós estamos ainda discutindo uma coisa que não tem cabimento. É como se a gente estivesse escolhendo de que borda da terra plana a gente vai pular”, ironizou diante da pergunta do senador se mantinha o que havia dito antes.
“Não tem lógica, a gente precisa desenvolver soluções, estratégias claras, adaptadas ao nosso povo, ajudar o gestor a encontrar os resultados, porque desses resultados dependem de todos nós”, apontou a médica.
M. V.