Decreto de Bolsonaro permitia emissão de alvarás e licenças ambientais “sem análise humana” para empresas
O Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu na última quinta-feira (28), por 10 votos a 0, o licenciamento ambiental automático para empresas que oferecem risco médio ao meio ambiente.
O dispositivo era previsto na Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim). Por unanimidade, os ministros consideraram inconstitucional o inciso da lei que permitia emissão de alvarás e licenças ambientais “sem análise humana” para empresas enquadradas em atividade de grau de risco médio.
A matéria foi analisada no julgamento de mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6808, em que os ministros julgaram uma ação do Partido Socialista Brasileiro (PSB) que questionou uma medida provisória que dispensou análise humana para concessão de licenciamento ambiental e sanitário a empresas consideradas de risco ambiental médio, que expõem colaboradores a riscos regulares.
Ao Supremo, o partido argumentou que, além de permitir o licenciamento sem análise humana, a medida impossibilitou que os órgãos licenciadores solicitem informações adicionais as que forem repassadas ao sistema.
As alterações questionadas foram introduzidas pela Medida Provisória (MP) 1.040/2021 à Lei 11.598/2017, que dispõe sobre a concessão de alvará de funcionamento e licenciamento no âmbito da Redesim. Com a decisão, empresas de risco ambiental médio terão que seguir o rito estabelecido pela lei para as licenças ambientais.
O processo faz parte do chamado “pacote verde”, que é composto por sete ações que discutem políticas socioambientais adotadas no país sob o atual governo de Jair Bolsonaro e que discutem violações à Constituição.
A medida foi prevista por uma alteração feita no ano passado na chamada Redesim. O objetivo era facilitar o processo de abertura ou regularização de empresas.
A Redesim reúne órgãos de registro civil, administrações tributárias e órgãos licenciadores do Meio Ambiente, Vigilância Sanitária e Corpo de Bombeiros. Ela foi criada para registrar e legalizar empresas e negócios no âmbito da União, permitindo a padronização dos procedimentos, redução dos custos e prazos de aberturas de empresas.
A alteração acabou permitindo a concessão, sem análise humana, de alvará de funcionamento e licenças, inclusive ambientais, para empresas enquadradas que costumam expor seus funcionários e colaboradores a riscos regulares.
INCENTIVO À VIOLAÇÃO AMBIENTAL
Na ação, o PSB afirma que a mudança é uma clara ofensa ao princípio da defesa do meio ambiente, ao direito de um meio ambiente equilibrado e à saúde, além da violação aos princípios da eficiência e da motivação dos atos da administração pública.
Em sustentação oral, o advogado do PSB, Felipe Santos Corrêa, lembrou que o risco da atividade é definido pelo Poder Público, com grande variedade de definições do que seria enquadrado como de médio risco.
A portaria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por exemplo, atribui classificação de médio risco para atividades como transferência de carga de petróleo, exploração da madeira ou lenha e fabricação de fertilizantes; atividades com impacto direto no meio ambiente. “Existem notórios riscos de acidentes de graves violações ambientais”, declarou o advogado.
VOTOS
Em seu voto, a relatora, ministra Cármen Lúcia, disse que a simplificação no caso de licenças ambientais fere a Constituição.
“Essa simplificação para emissão do alvará de funcionamento e de licenças de empresa nos casos em que o grau de risco da atividade seja considerado médio é que, a meu ver, no caso específico, reitero ainda uma vez, ofende as normas constitucionais de proteção ao meio ambiente, em especial o princípio da precaução ambiental”, afirmou a ministra.
A ministra defendeu que a simplificação permite que as empresas só sejam fiscalizadas após receberam o licenciamento.
“É que o alvará de funcionamento e as licenças então serão emitidas sem análise humana possibilitando que aquelas licenças sejam concedidas e fiscalizadas somente após a liberação da atividade”, disse Cármen Lúcia.
O voto da ministra foi seguido pelos demais ministros do STF. Apenas o ministro Dias Toffoli não participou do julgamento.
O presidente do STF, Luiz Fux, afirmou que as licenças ambientais não podem ser compreendidas na vala comum das licenças em geral.
Por outro lado, o advogado-geral da União, Bruno Bianco, afirmou que a lei não dispensava “o cumprimento de procedimentos, como licença ambiental”.
“Não obstante a concessão mais célere, isso não retira a obrigação do empresário de comprovar antes do início das atividades empresariais, o cumprimento de toda legislação, seja ela sanitária, seja ela ambiental, ou mesmo de prevenção a incêndio”, disse Bianco.