Por Ana Helena Tavares
O médico sanitarista e epidemiologista Eduardo de Azeredo Costa, que trabalhou na Organização Mundial de Saúde (OMS) na erradicação da Varíola e por 30 anos na Fiocruz, onde foi diretor de Farmanguinhos, é enfático ao afirmar que “disciplina social é central para controlar doenças”.
Mas como exigir do povo essa disciplina se o principal mandatário da República debocha da situação e não passa confiança? A irresponsabilidade do presidente chegou ao ponto de ele ir ao encontro de pessoas nas ruas, nas manifestações de 15 de março, num momento em que a OMS já havia decretado pandemia.
“A disciplina social se ocasiona quando uma autoridade que seja institucional e acreditada pela população se posiciona. Quer dizer, a autoridade vem dessas duas coisas. Do papel formal que ele exerce e de que as pessoas reconheçam que ele faz isso seriamente. Quando não tem, cada um faz o que acha melhor. E não pode. Fica um tumulto”, avalia o médico.
Sabe-se que o tumulto está instalado quando, por exemplo, observamos a queda de braço entre o presidente e governadores. Enquanto estes tomam medidas como o fechamento de estradas, Bolsonaro vai lá e os desautoriza.
“Acho que falta a ele (Bolsonaro) sentimento de seu dever social. Falta a ele entender que, por mais que seja difícil esse momento, nós temos que tentar convergir para a mesma posição. Porque o país precisa hoje é que todos trabalhemos juntos para o controle do coronavírus.
Eu quero dizer o seguinte: é preciso um mínimo de harmonia (entre poderes e instâncias). Você não consegue convencer as pessoas com argumentos dissonantes.
A verdade é que o Bolsonaro, pelo despreparo dele, pelo grau de incapacidade social ser muito grande, por ele ser um cara que pensa em termos de clã, nos está fazendo perder nesse momento a capacidade de coordenação nacional do combate à pandemia.”
O epidemiologista não hesita ao definir o atual governo federal como “um vírus maior do que o coronavírus”:
“O importante é pensar numa estratégia de mudança de governo – e talvez esse vírus até acelere isso. Porque o mal que estava sendo feito, desde antes dessa pandemia, para a economia, para a vida das pessoas, é terrível. Como a precarização das leis trabalhistas, as pessoas sem seguridade social. Ou seja, o desastre Bolsonaro é muito maior do que o do coronavírus. O desastre Bolsonaro vai durar muito tempo. O coronavírus vai levar de quatro a cinco meses e depois as coisas se acomodam.
O Bolsonaro ainda tem mais 3 anos e, mesmo depois disso (ou mesmo que ele caia antes), vai nos deixar muitas dificuldades para retornarmos a um país fraterno, para retornar a um país conciliado consigo mesmo, com um bom projeto de desenvolvimento, com justiça social. É chato a gente ter certeza de que há um vírus maior do que o coronavírus aqui entre nós.”
Além de médico, Eduardo Azeredo Costa é político. Foi secretário de saúde de um dos governos de Leonel Brizola no Rio de Janeiro. Foi secretário de ciência, tecnologia e insumos estratégicos do Ministério da Saúde, durante o governo de Dilma Rousseff. Ele tem como lema uma frase do patologista alemão Rudolf Karl Virchow: “A medicina é uma ciência social e a política nada mais é do que a medicina escrita por extenso”
“Eu sempre digo que a minha especificidade é a união da saúde e da política. Não é política de saúde. É política e saúde. São coisas que se falam, e são paralelas, uma não larga a mão da outra. Ao mesmo tempo, nenhuma deve ocupar o lugar da outra. Como a dupla hélice do DNA!” comenta.
Com a experiência de quem transitou tanto por laboratórios de pesquisa científica como pelos corredores do poder, Costa lamenta que o governo federal represente um ataque à saúde e não ao vírus, como deveria ser:
“Como eu já trabalhei em controle de doenças, tenho a opinião de um sanitarista. Claro que com seus conflitos, entre a sua profissão e suas crenças. Nesse sentido, eu diria que questões específicas de saúde têm uma predominância tal que não devem entrar em intrigas políticas, na luta política partidária, por exemplo.
No caso da união estratégica de um povo, quando entra numa guerra, não dá para ficar pensando quem era ou não contra a guerra, não adianta ficar querendo mudar uma história que já aconteceu. Se está declarada a guerra, eu vou fazer o quê? É preciso tomar resoluções.
No momento atual, o que vejo é que temos uma política negativa com relação à saúde por parte do governo federal. O ataque desse governo é à saúde e não ao vírus. Este será controlado mais rapidamente.”
Entrevista reproduzida do site Quem tem medo da democracia?