CARLOS PEREIRA (*)
A Proposta de Emenda Constitucional nº 196 (PEC 196), de autoria do deputado Marcelo Ramos, do PL do Amazonas, patrocinada pela Força Sindical, CUT e UGT, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, segue em fevereiro para discussão em Comissão Especial.
Para o deputado Paulinho da Força, “ela vem para trazer a modernidade para o movimento sindical”, “privilegiando a negociação direta e a representatividade dos sindicatos”.
Para bom entendedor: tirar o estado, o poder público e a lei da jogada, estabelecer o negociado sobre o legislado como melhor caminho para tirar direitos e de quebra, se possível, acabar com a Justiça Trabalhista (objetivo mais a prazo).
A PEC tenta entrar em sintonia com o hiperliberalismo que inspirou a reforma da Previdência, que faz o brasileiro trabalhar mais dez anos e ganhar menos 30%, quando consegue se aposentar.
Ou, o que é a mesma coisa, em sintonia com aqueles atentados que criaram o trabalho intermitente, em que o trabalhador fica à disposição do patrão, mas só ganha as horas trabalhadas; que reduziram o valor real do salário mínimo; que quer criar a carteira “verde e amarela”, suprimindo os direitos trabalhistas, passando por cima da Justiça Trabalhista.
Mas o que é a PEC 196?
A PEC 196 revogaria o artigo 8º da Constituição, que garante a liberdade sindical, o sindicato único por categoria e a contribuição sindical de toda a categoria.
Qual é o artigo 8º da Constituição?
“Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;
II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;
III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
IV – a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;
V – ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;
VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de
trabalho;
VII – o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;
VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.
Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.“
O COMBINADO
A PEC 196 quer, portanto, extinguir o consagrado sistema de unicidade sindical (ver, acima, trecho em vermelho), criado por Getúlio Vargas, propondo uma espécie de pluralismo sindical mal-ajambrado .
Porém, mais uma vez, não entregaram o combinado.
Os autores e mentores da PEC 196 apresentaram originalmente algumas “contrapartidas” à entrega da unicidade sindical.
Porém, nada.
Não saiu nem a “taxa negocial”, para substituir a contribuição sindical, nem o “Conselho Nacional de Organização Sindical”, que seria um órgão superior, composto por patrões e empregados, “acima” dos interesses de classe.
Tanto uma quanto outro foram retirados da proposta pelo relator, na Comissão de Constituição e Justiça, deputado Fábio Trad (PSD-MS) – e assim foi a PEC aprovada na Comissão.
Como a subserviência, a traição aos interesses dos trabalhadores, é o seu móvel real, mesmo sem “taxa negocial” e “Conselho Nacional de Organização Sindical”, querem entregar a unidade sindical.
Isto, sob o pior governo da História da República, o governo mais anti-trabalhador, mais até que os governos da ditadura ou aqueles da República Velha. O governo, enfim, que dissolveu o Ministério do Trabalho.
Mesmo assim, acham eles, há que esperar alguma migalha de Bolsonaro – ou, o que é mais real, algum estipêndio dos patrões, aliás, dos piores dentre esses.
Quais as consequências, se essa PEC fosse aprovada?
Com o fim da unicidade sindical, os “acordos” coletivos valeriam apenas para os sócios do sindicato “hegemônico”, aquele que manteria a exclusividade de representação da categoria – no início, este sindicato “hegemônico” teria que ter 10% dos trabalhadores da categoria como sócios; em dez anos, teria que ter 50%.
Para quem não é sócio do sindicato “hegemônico”, a lei da selva.
O sindicato “hegemônico” era definido, na PEC original, pelo “Conselho Nacional de Organização Sindical”. Na falta desse, o texto da PEC subentende (até onde pudemos subentender) que poderiam existir, também, “acordos” coletivos que valeriam para cada sindicato, isto é, somente para os associados de cada um deles.
Certamente, isso é contraditório com o que foi dito sobre o “sindicato hegemônico”.
Porém, não é menos absurdo. Imaginemos, em uma fábrica, dois ferramenteiros com acordos coletivos diferentes. Ou uma categoria com dez sindicatos e dez acordos coletivos…
O CENTRO
O fim da unicidade seria um retrocesso para os trabalhadores.
O sistema de unicidade estende para toda uma categoria as conquistas alcançadas, o que fortalece o sindicato na negociação com os patrões.
Nesse sentido, democracia e unicidade são dois lados da mesma moeda. Uma não existe, plenamente, sem a outra.
A unicidade tem por centro a luta dos trabalhadores contra os patrões para melhorar seus salários e suas condições de trabalho – ou seja, de vida.
O mal chamado “pluralismo” sindical coloca no centro a luta entre os trabalhadores, divididos em vários sindicatos. A rigor, estabelece uma luta dentro da categoria, que não existia antes, para facilitar a exploração patronal.
Esta é a diferença entre unicidade e “pluralismo”.
A contribuição (sindical, negocial ou confederativa) de todos, de toda a categoria, é o cimento da unidade sindical.
Trata-se de algo – determinado pelo artigo 8º da Constituição – justo e democrático, assim como é justo e democrático que as conquistas das convenções e dos acordos coletivos tenham validade para toda a categoria.
Assim funcionam todas instituições sérias. Assim funcionam a OAB, os conselhos profissionais, as prefeituras, governos estaduais e federal. Todos têm direito aos benefícios. E a sua sustentação, reciprocamente, é obrigação de todos.
Aliás, por falar nos governos, os autores da PEC 196 não estão preocupados com o fato de que a política do atual governo federal mantém 11,8 milhões de trabalhadores no desemprego e 38 milhões na informalidade.
Nem com o estrangulamento do atendimento ao povo, com o arrocho dos servidores públicos.
Nem com a hemorragia dos juros da dívida pública, que, em 15 anos, transferiu 3,3 trilhões de reais do Tesouro para o rentismo parasita – isto é, para aqueles que não trabalham.
Nem que o país esteja em um pântano de estagnação, com o crescimento – e, principalmente, seu componente essencial, a produção da indústria – levados a um esgoto abismal, com as consequências: desemprego, miséria, fome, morte.
Pelo contrário, o que importa para eles é facilitar a transformação do Brasil em um campo de extermínio.
É isso o que tenta fazer essa emenda contra a unicidade sindical, portanto, contra a organização dos trabalhadores para lutar contra o neonazismo econômico.
RESISTÊNCIA
O artigo 8º da Constituição Brasileira é uma das maiores conquistas do trabalhador.
A CTB, NCST, CGTB, Pública e Confederações apresentaram o Projeto de Lei 5.552/2019, do Deputado Lincoln Portela, em resistência aos ataques aos sindicatos, que fortalece e regulamenta o artigo 8º.
Diferente da PEC (Proposta de Emenda Constitucional), que precisa de maioria qualificada, isto é de 308 votos para ser aprovada, o PL 5.552 tem que alcançar maioria simples, ou seja, 258 deputados.
O movimento sindical brasileiro já sobreviveu, se temperou e venceu em momentos dramáticos de nossa história.
Mas nunca o perigo foi tão intenso. É preciso resgatar a autoestima. Liberar a energia acumulada em décadas de lutas e heroísmo. Sustentar cada trincheira. A hora é de acumulação de forças, de resistência e de unidade.
(*) Secretário Geral da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB)