Ministros rejeitaram normas publicadas pelo governo que retiram representantes da sociedade e governadores de conselhos consultivos sobre o Meio Ambiente
O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou na tarde desta quinta-feira (28) a inconstitucionalidade de três decretos ambientais assinados por Jair Bolsonaro (PL). Por maioria, os ministros invalidaram três normas que, segundo decisão, violam a Constituição, pois favorecerem o desmatamento das florestas brasileiras e impedem o levantamento de fundos de preservação da Amazônia.
Os ministros do STF votaram a favor da ação do partido Rede Sustentabilidade, que questionou os três decretos editados pelo Bolsonaro que, na avaliação da legenda, contribuem para o aumento do desmatamento no país.
A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 651, pedia a derrubada do Decreto nº 10.224/2020, que retirava a participação de entidades representativas da sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). O principal argumento foi o de que a medida provocou esvaziamento do fundo, criado no fim da década de 80 e considerado o primeiro grande mecanismo de financiamento ambiental da América Latina. A partir de agora, o conselho volta a ter a participação da sociedade civil.
Também foi invalidado o Decreto 10.239/2020, que excluiu a participação de governadores no Conselho Nacional da Amazônia Legal, e o Decreto 10.223/2020, que extinguiu o Comitê Orientador do Fundo Amazônia.
Esse segundo tinha a atribuição de estabelecer as diretrizes e os critérios para aplicação dos recursos do Fundo Amazônia, acompanhar as informações sobre a aplicação da verba e aprovar o relatório de atividades.
VOTOS
A sessão de quarta-feira iniciou-se com o voto do ministro Edson Fachin, que acompanhou integralmente a relatora. Para ele, o meio ambiente é um bem coletivo, e o Estado e a sociedade civil devem se ocupar de protegê-lo. O ministro lembrou ainda que o Brasil fez um compromisso internacional de proteção do meio ambiente e defendeu que a participação da sociedade civil é essencial para a gestão do meio ambiente, por isso, “é inconstitucional qualquer retrocesso a esse desenho normativo”. E acrescentou que “não há nem tempo, em face das gerações futuras, nem espaço normativo, em face da Constituição, para retrocessos”.
“É da natureza dos minipúblicos que se estabeleça quem serão seus representantes e as condições materiais para a sua efetiva participação, sendo que eventual desequilíbrio deve ser contornado por meio de ações afirmativas. E a fundamentalidade do direito ao meio ambiente equilibrado impõe a participação popular como princípio”, disse.
O ministro Luís Roberto Barroso concordou integralmente com a relatora e fixou três teses de julgamento: “1. É inconstitucional norma que, a pretexto de regulamentar, exclui a participação da sociedade civil no Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Meio Ambiente. 2. O princípio federativo assegura aos Estados que compõem a Amazônia Legal o direito de representação no Conselho Nacional da Amazônia Legal. 3. É inconstitucional a extinção pura e simples do Comitê Orientador do Fundo Amazônia, eliminando a participação de governadores e da sociedade civil no monitoramento das suas iniciativas”.
Na sessão de 7 de abril, em seu voto, a relatora, ministra Cármen Lúcia, declarou inválidos os decretos do governo federal. Para isso, ela recebeu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 651 como Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
A ministra também aceitou analisar a constitucionalidade em mais decretos do que o proposto inicialmente pelo partido político porque, em sua visão, as matérias a serem decididas são similares, sobretudo em relação à violação do pacto federativo e do princípio da precaução ambiental. Para a relatora, a participação popular vem sendo reduzida pela edição de decretos presidenciais em muitos conselhos por decisão do governo.
Os ministros Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes acompanharam a relatora. Para Lewandowski, os atos impugnados ofendem a Constituição de 1988 que preza pela democracia participativa em complemento à democracia representativa. Por isso, os decretos presidenciais violam o proposto pelo constituinte original.
O ministro André Mendonça acompanhou Cármen Lúcia quanto ao decreto que trata do FNMA e propôs a modulação dos efeitos para que ocorram após o julgamento e não possam retroagir. Ele não aceita a inclusão dos outros dois decretos no julgamento porque há outra ação em curso no Supremo (ADO 59) e também porque acredita que há violação à ampla defesa e ao contraditório, uma vez que a Advocacia-Geral da União (AGU) não se manifestou sobre os demais decretos.
DECRETOS ESVAZIAM OS CONSELHOS
As regras questionadas no STF entraram em vigor durante o governo Bolsonaro, que promoveu retrocessos inéditos nas políticas do setor. Como consequência, o Brasil vem batendo recordes de desmatamento nos biomas, principalmente na Amazônia.
O item da “pauta verde” em julgamento é a ADPF 651. O partido quer anular o Decreto Presidencial 10.224/2020, que alterou a composição do Conselho Deliberativo do FNMA.
Criado em 1989, o FNMA é administrado pelo governo federal e financia projetos que promovem o uso racional e sustentável de recursos naturais. O Conselho Deliberativo é o responsável por selecionar os projetos.
Até 2020, o Conselho era composto por 17 representantes, nove de organizações governamentais e oito da sociedade civil. Sob Bolsonaro, o órgão passou a ser composto apenas pelo ministro do Meio Ambiente e representantes da Casa Civil, Economia, Meio, Ibama, ICMBio, além do próprio MMA.
Com a alteração, foram excluídos do Conselho: Associação Brasileira de Entidades do Meio Ambiente (Abema), Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (Anamma), do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS), da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e mais um representante da sociedade civil indicado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Pacote verde
O STF está conduzindo o julgamento de diversas ações contra a política de incentivo ao desmatamento e à destruição das florestas pelo governo Bolsonaro. Há ainda outras quatro ações a serem analisadas em plenário – três de relatoria da ministra Cármen Lúcia e a última da ministra Rosa Weber.
A segunda ação na pauta é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.148, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), contra a Resolução Conama nº 491, de 19 de novembro de 2018, que dispõe sobre padrões de qualidade do ar.
Nessa linha, com o intuito de “evitar que se agrave o estado de inconstitucionalidade do sistema de proteção e controle da qualidade do ar”, pede-se que seja declarada “inconstitucionalidade da resolução sem pronúncia de nulidade, com apelo ao Conselho Nacional do Meio Ambiente, para que, em até 24 meses, edite norma com suficiente capacidade protetiva, corrigindo as distorções apontadas nesta ação e nos documentos que a acompanham, baseando-se em parâmetros objetivos já disponíveis na ciência médica”.
FACILIDADES
A ADI nº 6.808, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), trata de pedido de inconstitucionalidade das facilidades da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) sem análise humana, de alvará de funcionamento e licenças – inclusive licenciamento ambiental – para empresas enquadradas em atividade de grau de risco médio.
Está prevista ainda votação da ADPF nº 735, que contesta a Operação Verde Brasil 2, além da ação das Forças Armadas em delitos ambientais.
Também está na pauta a ADO nº 59, sob relatoria da ministra Rosa Weber, que pede a retomada do Fundo Amazônia. Os autores alegam que o fundo foi interrompido sem qualquer justificativa ou racionalidade. Segundo a ação, um montante superior a R$ 3 bilhões está disponível há mais de três anos para projetos voltados à conservação da Amazônia e ao combate ao desmatamento no bioma, mas sem uso.